segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Luiz Ruffato / Um longo caminho a percorrer


Fernando Vicente

Um longo caminho a percorrer

Nem todo estudante se torna leitor, isso é fato. Mas o Estado tem obrigação de possibilitar o acesso ao livro – só após esse contato, é que ele pode saber se gosta ou não de ler


LUIZ RUFFATO
2 DEZ 2013 - 19:24 COT


Não há democracia efetiva sem educação de qualidade. E não há educação de qualidade sem escolas equipadas com boas bibliotecas – os computadores, fundamentais para a vida contemporânea, são, neste caso, apenas ferramentas complementares. Numa democracia efetiva, a educação deve visar a formação para a cidadania – um cidadão é um sujeito que sabe quem é e reconhece, na essência, o outro como igual a si mesmo. Ou seja, alguém que detendo o conhecimento de seus direitos e de seus deveres participa da organização de uma comunidade com interesses convergentes. A leitura de livros, jornais e revistas nos capacita a observar a vida sob variadas perspectivas, fornecendo a base necessária para realizarmos a leitura do mundo.
No Brasil ainda temos um longo caminho a trilhar. É louvável o esforço governamental para prover as bibliotecas escolares públicas de livros por meio do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE). Só em 2013, foram reservados 66 milhões de reais para a compra de 6,7 milhões de obras literárias destinadas a cerca de 70 mil escolas dos ensinos fundamental e médio. No entanto, segundo dados do censo escolar de 2011, apenas 27,5% das escolas públicas possuem bibliotecas...
Mas, a nossa realidade é ainda mais avassaladora...A maior parte das escolas que possuem biblioteca não tem bibliotecário. Em geral, são designados para “tomar conta da biblioteca” os professores inadaptados para a sala de aula, seja por problemas de saúde ou por não conseguirem lidar com os alunos, ou ainda aqueles punidos por criar atritos com os colegas. Esses profissionais acabam “encostados” em salas empoeiradas e sem ventilação, e, entediados, sem experiência ou empatia, reforçam a imagem do livro como repositório de coisas velhas e desinteressantes.
Já visitei escolas em que a biblioteca permanecia todo o tempo fechada e tive que esperar paciente a chegada da zeladora, guardiã orgulhosa da única chave de acesso a um depósito escuro e fedendo a mofo. Já visitei escolas em que a biblioteca permanecia todo o tempo fechada porque a diretora temia que os alunos estragassem os volumes ao manuseá-los. Já visitei escolas em que os pacotes de livros permaneciam jogados a um canto, envoltos em plástico, lacrados, porque ninguém ali sentira a mínima curiosidade de saber do que se tratava e para que serviam. Já visitei escolas em que a pessoa encarregada da biblioteca confessava, sem se vexar, que nunca havia aberto um exemplar em toda a sua existência...
Nem todo estudante se torna leitor, isso é fato. Mas o Estado tem obrigação de possibilitar o acesso ao livro – só após esse contato, que, mediado por um profissional competente, em geral pode ser extremamente prazeroso, é que ele tem condições de saber se gosta ou não de ler... Já avançamos muito. Há 30 anos, a escola pública jazia destruída pela ditadura militar. E, antes, havia uma educação de qualidade, mas ofertada apenas para as camadas privilegiadas – a taxa de analfabetismo chegava, na década de 1950, a mais de 50% do total da população. No entanto, nossos números continuam catastróficos. Um em cada três brasileiros é analfabeto funcional – não consegue compreender textos simples e nem fazer operações matemáticas básicas; lemos quatro títulos por ano, em média; temos uma livraria para cada 63 mil habitantes...
Só iremos construir uma sociedade mais justa, quando oferecermos a todos, sem exceção, uma educação pública de qualidade, quer dizer, quando dermos oportunidade a todos os brasileiros de se alinharem no ponto de partida, em igualdade de condições. E um passo importante nesta direção é a existência de bibliotecas, e de bibliotecários, em todas as escolas públicas. Assim, certamente estaremos aprimorando nossa incipiente democracia. Porque, ao contrário do que se possa imaginar, democracia não é o mero direito ao voto, mas sim o exercício do voto com consciência. E só vota com consciência quem possui bagagem para interpretar a complexidade do mundo.
Luiz Ruffato é escritor.

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