sexta-feira, 11 de março de 2016

Uma fera chamada Michael Fassbender

Michael Fassbender


Uma fera 

chamada Michael Fassbender

Em cinco anos, saiu das ruas de Londres para o estrelato

Uma carreira meteórica para um dos atores de maior revelação dos últimos tempos

O novo filme do ator de origem alemã é '12 Anos de Escravidão', uma obra descomunal, que aparece em todas as apostas para o Oscar


TONI GARCÍA
23 NOV 2013 - 21:39 COT

O ator veste jeans e camisa polo verde. Calça sapatos perfeitamente engraxados. Nada de paletó e gravata. Nem súditos que estejam ao seu redor o tempo todo nesta suíte do hotel Conrad, no centro nova-iorquino. Nada em Michael Fassbender (Heidelberg, Alemanha, 1977) é como se esperaria para um astro de seu calibre. Pelo contrário. Tudo nele parece muito da velha guarda.
Ele se transformou em um dos atores de maior revelação produzidos pela sétima arte nos últimos anos. Um trator para quem não existe desafio impossível. Nem papel menor. Um renascentista com aspecto de gentleman que tomou Hollywood de assalto numa guerra fulgurante, que em apenas cinco anos o levou das ruas de Londres, onde começou a atuar, para a meca do cinema.
Neste seu quinquênio dourado, o ruivo de olhos azuis, fã das botas Dr. Martens, deixou de ser um pequeno ator com especial talento para os palcos e se tornou um ícone global, capaz de se virar com igual desenvoltura no cinema independente ou nos grandes sucessos de bilheteria, e de colocar a fantasia de um vilão como Magneto (em X-Men: Primeira Classe) ou de um androide meio perverso (em Prometheus) sem precisar se despentear.
Fassbender, que quando era um desconhecido chegou a protagonizar anúncios estimulando os jovens a se alistarem no SAS (força especial do Exército britânico) ou a beberem a célebre cerveja Guinness, deve – quase – tudo ao diretor londrino Steve McQueen. Embora este já fosse um prestigiado artista visual antes de migrar para o cinema e dirigir Fome, seu primeiro longa-metragem (que estreou em 2008), foi nesse filme que eles se juntaram pela primeira vez. E a aliança empurrou ambos para o topo. Repetiram a dose emShame (2011), e agora regressam com sua aposta mais ambiciosa, 12 Anos de Escravidão (sem data definida para estreia no Brasil), um filme descomunal que já figura em todas as apostas para o Oscar e que conta a história de um negro livre, Solomon Northup, sequestrado em Washington em meados do século XIX, vendido como escravo e confinado ao trabalho em diversas plantações até ser resgatado, 12 anos depois.

No filme, Fassbender interpreta Edwin Epps, um escravagista da pior espécie. Embora para o ator tudo isso pareça discutível: “Você acha que ele é mau, simplesmente mau. Mas eu não posso trabalhar assim, preciso examinar tudo de outra maneira. Se o vejo como o demônio, não vou poder dar ao diretor nem ao personagem o que esperam de mim. Na minha opinião, Epps é uma vítima do seu contexto e da sua época, e de certo modo sinto empatia por ele. É um sujeito apaixonado por sua escrava e que acha que, infligindo dor aos seus semelhantes, conseguirá se libertar desse sentimento. Obviamente não funciona, e essa frustração gera mais violência”.
Steve McQueen, homem de poucas palavras, resume em uma imagem a entrega do ator: “Estávamos rodando uma cena muito intensa do filme e de repente ele desmaiou, caiu com tudo no chão. Esse é Michael Fassbender, alguém que coloca tudo o que é, tudo o que tem, no que está fazendo: por isso é um ator extraordinário, não guarda nem um grama da sua energia. Dá tudo para você”.
O segredo do ator parece ser essa ousadia, às vezes suicida, que coloca na sua profissão, junto com uma elegância clássica que evoca os grandes astros de antigamente e o irmana diretamente a Steve McQueen (o outro) e a Cary Grant: sujeitos com classe, que agradavam igualmente a homens e mulheres e que representavam um seguro para a bilheteria. Para muitos, Fassbender é um ator de outro tempo, um intérprete excepcional que alia o melhor de Hollywood às qualidades artísticas do Velho Continente. “Michael é como um Errol Flynn moderno: um sujeito divertido, jovial, com grande senso de humor, que gosta de sair à noite, mas que na manhã seguinte se apresenta no set excelentemente preparado. Compartilhamos além do mais do nosso amor por motocicletas e velocidade. Não me enganei”, afirma o cineasta canadense David Cronenberg, que o teve às suas ordens em Um Método Perigoso, no qual encarnava o psiquiatra Carl Jung.
Nestes cinco anos dourados, Michael Fassbender conquistou prêmios de todos os tipos e cores, viu seu cachê disparar e entrou para o Olimpo dos cinéfilos, local reservado a artistas que transcendem com folga o âmbito da telona. “Só me falta fazer um filme em alemão”, confessa o ator. “Bastardos Inglórios não conta”, diz, rindo.
São 10h da manhã e esse alemão de mãe irlandesa já está no seu segundo chá, enquanto esfrega as mãos e apoia a nuca no encosto do sofá. Tem uma longa jornada pela frente: “Passarei o dia todo aqui dando entrevistas, e – permita-me a franqueza – a ideia não me seduz”, admite com um meio sorriso de lado. Há alguns instantes, antes de entrar na sala para a entrevista, uma divulgadora abordou o jornalista para lhe recordar o mantra habitual: “Nada de perguntas pessoais”

A advertência surge, talvez, porque Fassbender é considerado um Casanova do tamanho de um porta-aviões, e porque se engraçou com cada atriz com quem trabalhou – e algumas outras –, em uma lista interminável (e presumida, porque o ator é a discrição em pessoa) que inclui Eva Mendes, Charlize Theron, Megan Fox, Zoë Kravitz e Rosario Dawson. Atualmente, se relaciona com a atleta britânica Louise Hazel – embora, como sempre, ele não confirme nem desminta isso. A imprensa popular norte-americana chegou a lhe atribuir um filho com January Jones, algo que a atriz desmentiu em entrevista ao The New York Times.

Michael Fassbender nasceu na Alemanha, mas passou a infância em Killarney, no sudoeste da Irlanda. Lá seus pais administravam um restaurante, e ele, adolescente cabeludo, se dedicava ao heavy metal. “Tínhamos um grupo [risos] com o qual éramos capazes de tirar as pessoas de qualquer lugar, especialmente por causa do volume com que tocávamos.” Formado como ator na Central School of Speech and Drama e acostumado a lidar desde muito jovem com as ansiedades do “ao vivo” nos palcos teatrais, o intérprete apareceu pela primeira vez em Band of Brothers, minissérie da HBO sobre a II Guerra Mundial produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg. Mas passou por lá na ponta dos pés. “Para ser honesto, lembro vagamente dele, mas se soubesse na época o que sei agora de Michael Fassbender teríamos feito um episódio da série só para ele”, recordava-se recentemente Hanks em Berlim ao ser perguntado sobre o ator.
Depois estaria em 300, sob as ordens do cineasta Zack Snyder, interpretando um entre aquelas três centenas de espartanos. Aí, no final de 2008, veio o filme que o colocaria na mira da cinefilia mundial: Fome. O filme contava a história (real) de Bobby Sands, mártir do IRA que morreu em 1981 após uma greve de fome em uma prisão da Irlanda do Norte. “Fiquei dez semanas quase sem comer e experimentei meus próprios limites, porque era necessário para chegar aonde o papel exigia, e porque sinto um imenso respeito pela minha profissão, e se aceito um papel é porque acho que posso fazê-lo. Medo? Toda vez que me olhava no espelho [risos].”
Fassbender parece gostar de cruzar essas fronteiras. “Michael é um homem de integridade única, e logo entendeu o que eu procurava”, conta o cineasta McQueen sobre aquela primeira colaboração. “Estávamos narrando a história de um homem preso aos limites do seu corpo, e que morreu defendendo uma causa que ele considerava justa. Acho que a confiança que depositamos um no outro foi a chave para que o filme ficasse bom. Isso e a ferocidade de Michael, que não se encolhe diante de nada.”
É curioso como a expressão “limite” aparece na boca de quase todos os que trabalharam com o ator nos últimos cinco anos. “Michael dá medo. Tem uma intensidade no que faz que só vi em poucos atores ao longo da minha carreira. Às vezes, eu tinha a impressão de que se o roteiro dissesse que ele precisava morrer ele teria morrido”, dizia atriz Carey Mulligan nas entrevistas de divulgação deShame, por conta da falta de barreiras do ator na hora de encarar um trabalho, desse espírito de “custe o que custar”, destacado por todos os que já trabalharam com ele. “Bom, esse é o meu trabalho, não?”, diz Fassbender, minimizando. “Tentar não colocar barreiras no que faço. Shame [sua segunda colaboração com McQueen] falava de um viciado em sexo, e 12 Anos de Escravidão sobre um escravagista que arranca a vida dos seus escravos com um chicote. Não são personagens que você possa interpretar sem se envolver a fundo, do mesmo modo que não se pode dirigir um carro a 300 quilômetros por hora segurando o volante com uma só mão.”
Shame foi notícia na época não só por sua (esmagadora) qualidade cinematográfica, mas também por um motivo bastante frívolo, os nus frontais do ator. “Se você me perguntar agora, levo na brincadeira. Se quiser a resposta séria, eu lhe direi que os nus eram imprescindíveis para entender o personagem, e que por isso eu fiz. Por outro lado, não entendo por que o nu frontal masculino é tão polêmico, ao passo que as atrizes o fazem e todos acham a coisa mais normal. A resposta não tão séria? Minha mãe precisava estar lá no dia da estreia em Londres e sofreu uma forte dor nas costas que a impediu de ir. Preciso dizer mais? Desde então acredito um pouco mais em Deus”, confessa o ator, entre risinhos.
Em 12 Anos de Escravidão, Fassbender reafirma aquela máxima de Tarantino na filmagem de Bastardos Inglórios (“Michael pode rodar um plano de 12 maneiras diferentes, e todos são bons. É um puta de um gênio”) e crava sua interpretação de um personagem (real) que fez da crueldade uma forma de vida. Um dos homens que transformaram a existência de Solomon Northup em um inferno: “Quando Steve [McQueen] me deu o livro, achei que era impossível que aquilo tivesse acontecido. Um sujeito livre é sequestrado e vendido como escravo e ninguém consegue fazer nada por ele durante 12 anos. É uma autêntica loucura. Quanto ao meu personagem, não havia muita documentação, então me limitei a procurar no livro, e o fato é que Northup era um escritor magnífico, com muito olho para os detalhes. Depois me deixei levar pela umidade da Louisiana e as cores das plantações. É incrível o que a gente chega a captar nessas terras se prestar suficiente atenção”.
O germano-irlandês tem agora 36 anos e pelo menos oito filmes na manga. Ridley Scott (em dose dupla: O Conselheiro do Crime e Prometheus 2), Terrence Malick e Bryan Singer são alguns dos diretores que o terão em suas mãos. “Não tenho nenhum plano. É absurdo você pretender planejar algo nessa profissão. Intuição? É só um fator a mais. Às vezes é o diretor; em outras, meus colegas de elenco; com Steve [McQueen], sempre é Steve... E sobretudo procuro fazer coisas que me pareçam diferentes. Prometheus 2 [risos]? Ok, aí você me pegou.” O ator já protagonizou 16 filmes desde 2009, e não parece ter a intenção de descansar. “Cada um tem o seu método; para mim, a maneira mais rápida de me desfazer de um personagem é entrar em outro. Sempre funcionei assim, e assim vou continuar fazendo enquanto eu puder. Descansos? Claro que descanso; olha, não faz muito tempo estive no seu país [Espanha]. Meu pai e eu pegamos a moto e demos uma volta pela Europa, passamos uns dias em Sarajevo, depois Veneza, depois uma semana em Barcelona e de lá para San Sebastián. Fizemos uns 3.000 quilômetros. Isso conta como descanso, não?”
O ator fala da sua hiperatividade profissional em contraposição ao seu trabalho como produtor. “Em 2011, olhei para trás e percebi que havia feito seis filmes seguidos, emendando um no outro, então decidi parar umas semanas. Meus amigos me diziam: ‘Cara, estamos cansados de ver o seu rosto por todo lado’ [risos], então parei e me dediquei à minha produtora, a DMC, porque não queria que fosse outro desses projetos que são só uma fachada. Agora enfim temos um filme no qual podemos nos envolver como companhia. Qual? Vou produzirAssassin’s Creed, adaptação cinematográfica do game.”
Há algumas semanas, Matthew Vaughn, diretor de Kick-Ass – Quebrando Tudo eX-Men: Primeira Classe (onde cruzou com o ator) foi perguntado sobre a possibilidade de dirigir um filme do agente 007. “Só haveria uma possibilidade de eu aceitar esse trabalho: se Michael [Fassbender] interpretasse James Bond”. A ideia não desagrada ao ator. “Matthew disse isso? Bom, a verdade é que eu sou um grande fã de Daniel Craig e o acho um Bond maravilhoso. Então no momento acho difícil. Se ele deixasse [sorri]? Aí então conversaríamos.”
Os rumores bondianos sobre o ator, citado como um dos favoritos para assumir o papel na etapa pós-Craig – o outro é Idris Elba, que seria o primeiro Bond negro da história – não deixaram de soar enquanto Hollywood se irritava com Fassbender por causa do anúncio de que ele não pretende participar da campanha ao Oscar de 12 Anos de Escravidão. O ator não ficou muito contente com a maratona de promoções que o levou de costa a costa dos EUA por causa de Shame, e da qual saiu de mãos abanando – ou seja, não foi indicado. “O Oscar para mim tanto faz, é uma honra se me derem, mas não me preocupa”, é sua lacônica resposta quando inquirido sobre o assunto.
Depois de aparecer em todas as listas de atores influentes, bonitos e talentosos elaboradas por revistas, jornais, sites e festivais de cinema, ele já não está muito distante da estatueta dourada. “Não houve desde Marlon Brando um ator como Michael. Trata-se de um desses caras irreplicáveis que aparecem uma vez por geração”, afirma Steve McQueen. Pelo visto, parece difícil contrariar isso.



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