quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Morre Ettore Scola, clássico do cinema italiano

Ettore Scola







Morre Ettore Scola, 

clássico do cinema italiano

Fiel retratista da Itália, com ele se despede um cinema militante, que falava com e sobre a rua


Madri 20 JAN 2016 - 07:55 COT



Com a morte de Ettore Scola, para o cinema italiano, acabaram os clássicos. E para as pessoas comuns, as que sofreram com Silvio Berlusconi na Itália e qualquer político populista no restante da Europa, as que ainda vivem fazendo malabarismo sobre o vazio da crise econômica, morreu seu cavaleiro andante. Na noite de terça-feira faleceu em Roma, aos 84 anos, Ettore Scola, e com ele se despede um cinema militante, um cinema que falava com e sobre a rua. Da geração de criadores que catapultaram o cinema italiano na segunda metade do século passado restam vivos tão somente os irmãos Taviani, mas o rastro de Scola é mais profundo, humano e surpreendente. Para Ettore Scola importava, e muito, segundo confessava, ser uma boa pessoa, e por isso seus filmes destilavam bondade, algo que nunca preocupou a geração atual de estrelas autorais de seu país: enquanto eles alimentam seu ego, Ettore Scola estimulou o ego do povo. Morreu o vermelho Scola.
Scola (Trevico-Avellino, 1931) amou a Itália e foi o seu mais fiel retratista, mas seu país natal não lhe correspondeu igualmente nas últimas décadas. “Para fazer um filme você tem de amar a cidade ou o país onde ele transcorre, e eu não sinto amor pela Itália. Não a odeio, mas, sim, me invade a tristeza”, contou a este jornalista em 2009, em uma viagem de carro de Madri a Valladolid, em cujo festival ia receber a Espiga de Ouro de Honra da Semana Internacional de Cinema (Seminci). Muitas de suas críticas se dirigiam a Silvio Berlusconi, então no poder. “Nem os políticos nem os intelectuais fizemos o suficiente para enfrentá-lo, para pará-lo. O pior é que a Itália não melhorará se Berlusconi morre. Sua ideologia já está enraizada.” Em sua luta contra os falsos heróis, o cineasta sempre defendeu a irritação como uma arma muito útil para apoiar suas reivindicações ideológicas. “O interesse privado, o egoísmo, continuam acima do rigor e da solidariedade. De modo que as reivindicações dos sessenta continuam tão vigentes hoje como então”, dizia ao apresentar em 1997 A História de um Jovem Homem Pobre. “O pessimismo é muito mais progressista que o otimismo, encerra mais fé no futuro. O otimismo é coisa de beatos.”
Sophia Loren / Marcelo Mastronianni
Um dia muito especial
A Special Day
Una giornata particolare

O diretor nunca se declarou líder de nada e, em troca, marcou espectadores e cineastas, como, na Espanha, Fernando León. “O cinema é uma arte de equipe. Militante é uma palavra de que nunca gostei. No trabalho que faço minhas ideias são transmitidas; não fosse assim, não seria uma obra de autor. Quando filmo películas especificamente políticas, inclusive documentários para o Partido Comunista, nelas estão minhas convicções estéticas. E no cinema que parece mais profissional, como em Rocco Papaleo estão minhas convicções políticas.”
Passou seus últimos anos lendo os clássicos gregos e latinos, e seu último trabalho teve muito a ver com esse respeito aos seus maiores: no documentárioQue Estranho Chamar-se Federico (2013), Scola repassava a figura, com admiração, de quem considerava seu irmão mais velho, Federico Fellini. Coincidiram trabalhando no final dos anos quarenta e início dos cinquenta na publicação satírica Marc’Aurelio, e as ilustrações de Ettore Scola, elegantes, sintéticas, pareciam em desacordo com aquele barroquismo deformado que impulsionava o imaginário de Fellini. E, no entanto, ali havia duas almas gêmeas, amantes da Itália, unidos em sua repulsa a qualquer ação que significasse atividade física, como o futebol ou nadar (nenhum sabia). O trio era completado pelo roteirista Ruggero Maccari. “Com Fellini você não podia insistir”, contava nesse documentário. “Ainda assim o convenci para interpretar a si mesmo emNós que Nos Amávamos Tanto, mas me impôs uma condição: “Nunca me filmes detrás. Dá para ver minha careca.”
Scola chegou ao cinema nos anos cinquenta e começou escrevendo roteiros assinados por outros autores, depois de ter-se licenciado em direito. Seu primeiro companheiro de aventuras cinematográficas foi, claro, Maccari. Como diretor estreou em 1964 com Fala-se de Mulheres e no ano seguinte já havia conseguido certa consideração com Por Milhão de Dólares e Os Amores de um Demônio. Sua grande década é a dos setenta: Ciúme à Italiana (rodada em Madri com Manolo Zarzo), Rocco Papaleo, Nós que nos Amávamos Tanto, Feios, Sujos e Malvados, Senhoras e Senhores, Boa Noite e seu filme mais conhecido: Um Dia Muito Especial. “No cinema é preciso tirar algo novo de cada pessoa, como em ‘Um Dia Muito Especial’, onde Sofia Loren encarnava uma mulher mal casada e entediada e Marcello Mastroianni, um jornalista homossexual [ambos eram vizinhos e o filme transcorre durante a visita de Hitler a Roma em 1938]. Interessam-me mais os diferentes do que os iguais, Eu nunca trabalhei uma vez com um ator, mas repetia muito. Porque quanto mais você os conhece, mais extrai deles. Gassman era o mais inteligente.” Mastroianni foi candidato ao Oscar por Um Dia Muito Especial, e o filme, a melhor filme de língua não inglesa, prêmio a que aspiraram trabalhos de Ettore Scola em outras quatro ocasiões.

Nos oitenta e noventa, estabelecido como cineasta de prestígio, prosseguiu com seu olhar à história e à Itália, com personagens muito humanos e, com frequência, anônimos: O Terraço,Fosca, Paixão de Amor, Casanova e a Revolução, Macheroni, A Família, Splendor, Che ora é? (Que horas são?) Mario, María e Mario, A História de um Jovem Homem Pobre, O Jantar, e já em 2001 Concorrência Desleal. Em 2003 pareceu despedir-se com Genti di Roma, em que o napolitano sublinhava, agradecendo a seus edifícios e seus habitantes, a importância dessa cidade em sua vida e em sua carreira, onde se tornou um personagem secundário comum. Mas faltava a despedida, uma década depois, a seu amigo Federico.
Com humor e admiração afirmava que a recordação imperecível “é uma fuga que se permite só aos grandes: Dante, Maquiavel, Leopardi, Fellini. Somente eles conseguem fugir da morte, refugiando-se na imortalidade”. Desde a noite de terça-feira, junto a essa plêiade, ri Ettore Scola.


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