quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Julia Pastrana / La mujer más feia do mundo



Julia Pastrana
FIM DIGNO 
PARA "A MULHER MAIS FEIA DO MUNDO"

Mantido por décadas em instituto de Oslo, corpo da mexicana Julia Pastrana, exibida como atração bizarra no século XIX, é repatriado e enterrado graças a esforços de uma artista visual

Por Charles Wilson, do "New York Times"

Seu próprio marido a chamava de “mulher-urso”. Um anúncio de 1854 no “New York Times” dizia que ela era o “elo entre a espécie humana e o orangotango”. Ela ficou conhecida na imaginação popular do século XIX como “a mulher mais feia do mundo”. Depois que morreu de complicações no parto, seu corpo e o de seu bebê foram exibidos por décadas em exposições freak pela Europa.

Semana passada, mais de 150 anos após sua morte, em 1860, a mulher, Julia Pastrana, finalmente teve um enterro digno em Sinaloa, no México. Sua volta para casa, de um depósito trancado em um instituto de pesquisa de Oslo, não teria sido possível sem quase uma década de esforços de Laura Anderson Barbata, artista visual nascida no México, criada em Sinaloa e radicada em Nova York.

Julia Pastrana foi tema de filmes, quadrinhos e música de rock alternativo. Em 2003, a irmã de Laura, Kathleen Anderson Culebro, produziu no Texas “A verdadeira história da vida trágica e da morte triunfante de Julia Pastrana, a mulher mais feia do mundo” — peça de Shaun Prendergast que estreara em Londres em 1998, quase toda encenada no escuro. Laura desenhou o figurino para a produção da irmã, e foi tocada pela história de Julia.

— Sentia que ela merecia o direito de recuperar sua dignidade e seu lugar na História e na memória do mundo — disse Laura por telefone, de Oslo. — Esperava ajudar que ela deixasse a posição de vítima e pudesse ser vista em sua inteireza e complexidade.

Julia Pastrana nasceu no México em 1834. Ela tinha duas doenças raras, que não foram diagnosticadas em vida: hipertricose lanuginosa, que cobriu seu rosto e seu corpo com pelos grossos, e hiperplasia gengival, que engrossou seus lábios e gengivas.

Um administrador da alfândega mexicano comprou Julia em 1854 e a exibiu nos Estados Unidos e no Canadá, como parte de um crescente negócio de exposições itinerantes sobre bizarrices humanas. (Apesar de a escravidão ter sido abolida no México décadas antes, performances de circo ainda eram vendidas). Em Nova York, Julia casou com Theodore Lent, que se tornou seu empresário.

— Ela era apaixonada por Lent — diz Jan Bondeson, reumatologista da Universidade Cardiff em Gales, que incluiu Julia no livro “A cabinet of medical cuiosities”. — Estou certo de que ele casou com ela porque podia ter controle sobre ela e os lucros consideráveis.

Lent levou a mulher em turnê pela Europa, onde jornais e livros a descreveram sem piedade: “gorila” ou “nojenta ao extremo”. Alguns, porém, sentiram que sua aparência mascarava qualidades. O historiador britânico Francis Buckland escreveu em 1868 que Julia tinha uma voz doce, “ótimo gosto para música e dança e sabia falar três línguas”. “Era muito caridosa e doava grande parte dos ganhos”.

Em 1859, Julia ficou grávida de Lent. O bebê herdou sua hiperticose e morreu horas após nascer em Moscou. A mãe morreu cinco dias depois. Lent logo começou a exibir os corpos embalsamados da mulher e do filho. Mais tarde conheceu outra mulher barbada na Alemanha, com a qual se casou e anunciava como a irmã de Julia, “Zenora Pastrana”. O casal viajava, e ela se exibia com os corpos.

Após a morte de Lent, o corpo de Pastrana foi amplamente exibido, até o início dos anos 1970, por um funcionário de parque de diversões norueguês. Em 1976, os corpos de Julia e do filho foram roubados, e encontrados pela polícia norueguesa numa lata de lixo. O do bebê não podia ser recuperado, mas o de Julia, sem um braço, foi levado para o Instituto de Medicina Forense da Universidade de Oslo, e depois transferido para um quarto climatizado para amostras de anatomia no Instituto de Ciências Médicas.

— Ao terminar como parte de uma coleção num porão, ela perdeu qualquer traço de dignidade. Meu último objetivo era que ela voltasse para o México e fosse enterrada. — disse Laura, que em 2005, numa residência em Oslo, pediu à universidade a repatriação de Julia. — Com as respostas iniciais, achei que seria muito difícil.

Mas Laura continuou a pressão. Em setembro de 2005, publicou uma nota de falecimento num jornal de Oslo e fez uma missa para Julia (ela era católica). Em 2008, enviou documentos para o Comitê Nacional para a Avaliação de Pesquisa em Restos Humanos da Noruega, que, em junho de 2012, reconheceu ser “improvável que Julia Pastrana quisesse seu corpo como uma amostra de anatomia”.

Jan G. Bjaalie, chefe do instituto em Oslo, disse por Skype que a universidade estava aberta ao retorno de Julia, mas “não podia simplesmente enviar os restos para alguém que pedisse”. A mudança veio depois que o governador de Sinaloa, Mario López Valdez, apoiou a causa de Laura no ano passado e pediu a repatriação, por “respeito à dignidade humana e um alto sentido de justiça”.

O instituto começou o processo de transferência em agosto. Antes de o caixão ser selado, Laura confirmou a identidade de Julia em Oslo, onde ela e um antropólogo forense notaram que seus pés ainda tinham parafusos e hastes de metal usados para exibir seu corpo. Os parafusos foram retirados e colocados na base do caixão.

— Suas mãos eram pequenas e perfeitas — disse Laura.

Julia foi enterrada em Sinaloa de Leyva, cidade perto de onde nasceu. Ela era uma celebridade menor na imprensa mexicana. Maria Luisa Miranda Monrreal, diretora do Instituto Cultural Sinaloa, disse que o enterro marca o fim de um ciclo de “exploração”.

O enterro foi um solução bela, mas demorada.

— Agora a história dela tem um fim apropriado — disse Jonathan Fielding, que dirigiu a peça sobre Julia em 2012.

***



Em depoimento, por e-mail, ao GLOBO, a artista plástica Laura Anderson Barbata comentou o longo processo de repatriação do corpo de Julia Pastrana e seu funeral em Sinaloa.

"A repatriação de Julia Pastrana representa a reescrita de um capítulo na memória do México e dos países que a receberam, assim como uma dívida com ela que é paga com o seu regresso. Permite a redefinição de um passado que pertence unicamente a ela, mas que dói a toda sociedade, aos sinaloenses, aos mexicanos, às mulheres, às pessoas com capacidades diferentes, a todas aquelas pessoas que creem e defendem a condição humana, o respeito, os direitos e a justiça. É o reconhecimento a uma pessoa, a seu caráter humano, de mexicana, de artista.

Julia Pastrana volta a Sinaloa e é acolhida com um ato artístico-cerimonial com mil flores enviadas de todas as partes do mundo como uma maneira de lhe dar as boas-vindas, homenageá-la e por um fim a sua longa peregrinação. Foi uma expressão coletiva de toda uma rede de apoio que defende a justiça, que quer uma presente melhor e um futuro justo, que é capaz de criar um país de flores e dignidade".

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/



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