domingo, 3 de fevereiro de 2013

Juan Carlos Onetti / Amanhã será outro dia



Juan Carlos Onetti

Amanhã será outro dia



A chuva deixara os bulevares quase vazios e só restava gente agrupada no café envidraçado onde, havia meses, não a deixavam entrar.

Sonia, de pé no vestíbulo da casa vazia, viu que a chuva passava, fatigada, a manso chuvisco, viu-a cessar enquanto aumentava o frio do vento, e pensou que aquilo era sinal de boa sorte. Um pouco mais longe, do outro lado do amplo passeio, as luzes da cidade começavam a se acender. A noite tinha início, e, respirando o aroma tristonho de seu casaco molhado, Sonia pensou que também a esperança tinha início. Sorriu, sem realmente acreditar, como uma menina para a qual recitaram uma história já ouvida e inverossímil.
Apalpou novamente a crespa peruca loira e com grande cuidado — tinha as unhas muito compridas — foi esticando as meias ensopadas presas pelas ligas.
Sentiu fome de novo e lembrou que tinha um sanduíche de presunto no bolso. Mas não podia estragar o desenho da boca que fizera com batom e com tanto cuidado. Também lembrou que até o fim do mês estava em ordem com a polícia e obrigou-se a caminhar, aproximando-se da beira das calçadas para sorrir para os carros, rebolar e parar, fingindo procurar alguma coisa na bolsa enorme. Mas nada, ninguém, e sem dinheiro para tentar a sorte em bares onde ainda a deixavam entrar.
Era noite e depois madrugada no bairro sujo da grande cidade. E Sonia, já sem fome, quase sem esperanças, continuava caminhando sobre a dor dos sapatos de salto agulha.
Repetiram-se os breves diálogos com os homens que passavam.
— Vamos. Você vem?
— Vá tomar no cu.
— Gosto disso. Eu também posso botar se quiser experimentar.
Homens e homens e seu asco por eles. A luz limpa ameaçava chegar do porto e as outras iam se apagando. Subiu as escadas pisando com as meias de seda caras. Abriu a porta manchada e acendeu a luz do teto. O rapaz, que sentou- se na cama, perguntou com medo:
— Como foi?
— Uma merda, boneca. Estou faminta. Acho que tínhamos uma lata de sardinha e sobrou pão do café-da-manhã.
O menino, moreno e magro, levantou-se da cama e começou a remexer no armário; disse com voz de mimo e queixa:
— Você ainda não me beijou.
— Agora.
Diante do espelho Sonia tirou a peruca e acariciou as faces.
— Outra vez barbuda.
Depois tirou a roupa e ficou olhando os peitos inchados com silicone e o sexo que penderia trêmulo e inútil mesmo depois das sardinhas.




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