segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A última fronteira de Joan Didion


Jan Didion, seu marido e filha em sua casa de Los Angeles em 1968 

A última fronteira de Joan Didion

O ator Griffin Dunne estreia um documentário sobre sua tia, uma lenda do Novo Jornalismo



ELSA FERNÁNDEZ-SANTOS
29 OUT 2017 - 09:39 COT

O documentário Joan Didion: The Center Will Not Hold (Joan Didion: o Centro Cederá), dirigido pelo sobrinho da escritora, o ator e cineasta Griffin Dunne, indaga sobre a vida da mulher que nos anos sessenta trouxe sensibilidade californiana ao Novo Jornalismo e que quatro décadas depois viu sua fama se revigorar com uma dissecação arrepiante da dor: O Ano do Pensamento Mágico (2005), que se centrava na perda de seu marido, o escritor John Gregory Dunne, e na doença de sua filha, Quintana Roo Dunne, cujo fatal desenlace inspiraria também Noites Azuis(2011).
Acompanhada de seu terrier, Didion (Sacramento, Califórnia, 1934) vive o presente rodeada de recordações, comendo como um passarinho e combatendo suas incessantes enxaquecas. Em sua mesa de trabalho há emolduradas duas notas manuscritas da filha. Em uma delas se lê: “Querida mamãe, era eu quem fugia quando você abriu a porta”.
A escritora admite à câmera que ainda se sente culpada por essa morte (“Era adotada, tinha sido dada a mim para que cuidasse dela, e falhei”). Afirma que escreveu sobre o sofrimento “porque ninguém tinha me explicado o que era” e confessa que espera o final da vida sem medo: “Uma das principais preocupações é as pessoas que deixamos para trás. Eu não deixo ninguém”. Didion assume com distanciamento que sua figura delgada e pequena se agigantou ao aplicar à morte de seus dois seres queridos seu instinto de repórter. Diante das trevas da depressão e da falta de senso, buscou um sentido e sem se propor lançou luz a um pranto universal.





"Falar de Joan é falar de nossos próprios mortos", diz Dunne, lembrando sua irmã, estrangulada pelo ex-namorado

Sentado no terraço da cafeteria ucraniana Veselka, instituição do East Village nova-iorquino famosa por seu gulash, Griffin Dunne (Nova York, 1955) fala de seu pai falecido, o produtor e escritor Dominick John Dunne, e de sua irmã, a atriz Dominique Ellen Dunne, estrangulada pelo ex-namorado no início dos anos oitenta, quando tinha 22 anos. “É curioso, sempre acontece o mesmo. Falar de Joan é falar de nossos próprios mortos”, reconhece em um momento da entrevista.
Além do mais, naquela manhã de setembro um cadáver inesperado se sentou à mesa, o do ator Harry Dean Stanton. “Nós ficamos mais velhos”, lamentou Dunne. “Sinto falta de atores como Harry, com história em seu rosto. Ele a tinha há muitos anos. Tomara que meu rosto também acabe sendo um mapa de vida. Conhecido como intérprete, entre outros em Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, como diretor por joias como a comédia romântica A Lente do Amor(1997) ou, mais recentemente, pela série I Love Dick, onde interpreta um intelectual com problemas, Dunne é uma personalidade atraente e atípica na indústria do cinema.
A seu ver, o segredo de Joan Didion remonta à última fronteira, a terra de Sacramento. Didion cresceu escutando as histórias de seus antepassados, que tinham feito parte do que se conhece como a expedição Donner, malogrado grupo de pioneiros que a caminho da Califórnia modificou sua rota até ficar preso nas montanhas de Nevada. Mais da metade morreu, o resto sobreviveu comendo os mortos. A família de Didion se negou a seguir o atalho, completando por sua conta o resto do caminho até a fronteira. “Cresci escutando todos os adjetivos possíveis sobre a força, ou o que for, de Joan”, explica Dunne. “E, sim, ela é tudo isso que irradia, mas acho que o segredo é genético, procede de um entorno duro de verdade. E desde menina escuto todas aquelas histórias que determinaram sua construção moral. Joan adora a palavra caráter, e isso é ela, alguém com verdadeiro caráter.” Com cinco anos, Didion escreveu sobre uma mulher que se congelava no Ártico e outra que derretia no deserto, sua imaginação só entendia de extremos. “De alguma forma, a Califórnia sempre permaneceu impenetrável para mim”, diz no filme. “Acaso não somos a paisagem na qual crescemos? Tudo o que eu sou, faço ou penso está nessa paisagem.”
A primeira lembrança de Dunne é de sua infância, quando durante uma refeição zombaram dele e ela permaneceu séria enquanto os demais adultos gargalhavam. “Serei grato a ela por toda a vida”, diz. “Durante muitos anos John e Joan eram a mesma pessoa para todos nós. Não se separavam nunca. Mas eu sempre me senti muito próximo dela. Por uma razão estranha sempre me incluíram em sua vida, também a social. Quando eu tinha 12 anos, Joan deu uma festa na qual iria Janis Joplin. Ela sabia o quanto eu gostava de Janis e disse à minha mãe que me levasse com eles. Foi uma experiência que não esquecerei jamais, lembro de cada detalhe como se fosse ontem. Receio que os demais estavam chapados demais para se lembrar de algo.”

ator Harrison Ford rememora seus anos de carpinteiro, quando ampliou a biblioteca e a casa de Malibu da escritora: “Apesar de não ser como eles, sempre me incluíam e minha jovem família em sua vida. Convidavam-nos para suas festas. Eram mais inteligentes e mais cultos, mas nunca nos trataram diferente por isso.” Mas talvez o instante mais tocante seja protagonizado por Vanessa Redgrave, que em 2008 interpretou na Broadway uma peça baseada em O Ano do Pensamento Mágico. Repassando um álbum de fotos familiares, as duas idosas lembram de Natasha Richardson, a filha de Redgrave que faleceu em um acidente de esqui em 2009. Redgrave admite que para ela nada mais é o mesmo, mas interrompe a via do drama com um corte que faz as duas rirem: “Entendi algo que até então não podia compreender, e é que a gente não se pode permitir ser uma alma em sofrimento”.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Clarice Lispector em 2017 / O segredo mais popular da literatura brasileira


Clarice Lispector
Poster de T.A.

Clarice Lispector em 2017: o segredo mais popular da literatura brasileira

Aos 40 anos de sua morte, memes da autora confundem sua produção, complexa e delicada, com autoajuda


TOM C. AVENDAÑO
São Paulo 22 SET 2017 - 21:26 COT

A biblioteca Clarice Lispector, em São Paulo, é um edifício público de concreto localizado na Lapa, um bairro de classe média relativamente próximo ao centro da cidade. Tem portas amarelas e azuis por fora; por dentro, principalmente pessoas idosas sentadas em meia dúzia de mesas redondas. Quase todo mundo sabe que a tal Lispector que dá o nome ao prédio era alguém importante, embora nem todos consigam identificá-la como a escritora brasileira mais traduzida e aclamada em décadas. E ninguém responde com a disposição de Lycia, uma adolescente de 14 anos e enormes óculos de acrílico que olhava as estantes metálicas nas paredes. “Acho que a conheço”, diz. E, depois de uma pesquisa no Google, mostra o celular: na tela, várias fotos em preto e branco de uma mulher linda e congelada em um gesto distante, como uma estrela de cinema dos anos quarenta. Em cada versão da foto, há uma frase diferente: “O verão está instalado em meu coração”. “Todo silêncio tem um nome”. “Este é meu problema: nunca fui de gostar pouco, ou gosto muito ou não gosto.” Todas as frases são atribuídas a Lispector, a mulher da foto, mas poucas realmente são. Lycia conclui: “Ainda não li livros dela, mas acho que gosto”.

Quarenta anos após sua morte, Clarice Lispector desfruta de uma enorme fama nas redes, transformada em um ícone da autoajuda adolescente. Para seus leitores mais sérios, os que defendem que arrancar suas frases do complexo e delicado contexto ao qual pertencem equivale a tirar sua alma, é apenas uma anedota ignominiosa. Para alguns jovens, é o que Lispector sempre foi. Mas também é um sintoma do complicado legado que a própria escritora, que nunca mostrou o menor interesse pela vida pública, deixou em seu país. “Clarice vive hoje um culto de sua imagem, mais do que de sua literatura”, destaca Yudith Rosenbaum, professora de literatura brasileira da Universidade de São Paulo e autora de dois livros sobre a escritora. “Por não conceder entrevistas, por ter se isolado e cercado sua vida de mistério e por preferir o silêncio às falas vazias, a escritora criou ao redor de si uma aura de inacessibilidade ao lado de uma legião de fãs idólatras". Ao longo das décadas, Lispector se transformou em um fenômeno muito difícil de ignorar, mas isso só piorou o problema da marca deixada na literatura brasileira por alguém tão difícil de classificar.
Acaba sendo difícil falar de Lispector, mesmo como escritora brasileira, porque suas obras parecem passar por cima da realidade terrena. Uma vez, em 1969, dedicou algumas das crônicas que escrevia no Jornal do Brasil ao tema da violência policial (porque os policiais haviam disparado 13 vezes contra um bandido famoso). Seu último romance, A Hora da Estrela, fala de uma garota que, assim como ela fez há anos, viaja do Nordeste ao Rio de Janeiro. E nada mais. Em quase 40 anos de produção, não há mais referências explícitas ao lugar nem à época que a rodeavam. Rosenbaum fala de uma referência implícita em alguns textos. “Ao tratar da mulher e do feminino em suas relações familiares nas décadas de 50 e 70 no Brasil  e poucos escritores o fizeram com tamanha profundidade  distingue-se o vínculo paradoxal da patroa com sua empregada, essa íntima estranha que habita o lar, misto de pertencimento e exclusão. Há várias crônicas de Clarice, publicadas no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973, que trazem experiências da própria escritora com suas empregadas, cujos processos de espelhamento e diferenciação entre ambas revelam conflitos de classe, mantidos em surdina na cultura brasileira”. A acadêmica lembra que, no romance A Paixão Segundo G.H., o enredo é ambientado no quarto da empregada.


Da esquerda à direita, Mania Krimgold, Elisa, Clarice, Tania e Pinkhas Lispectorampliar foto
Da esquerda à direita, Mania Krimgold, Elisa, Clarice, Tania e Pinkhas Lispector EDITORIAL SIRUELA


Quase tão inútil como tentar rotulá-la pelo conteúdo de seus textos é estudar sua forma. Seu estilo, entre a poesia e a prosa, de pintar os detalhes cotidianos de espiritualidade e de usar a primeira pessoa em histórias em que ela não é um personagem, mais a afasta do que a aproxima de seus contemporâneos: não se parece com ninguém e sua visão não lembra nenhum movimento. “Ela se diferenciou do neoregionalismo dos anos trinta, que dominou boa parte do período literário em que surgiu. Mais afeita às influências do romanceintrospectivo ou intimista, herdeira da prosa de ficção católica francesa, Clarice ainda assim não se vincularia inteiramente a nenhuma dessas duas vertentes,” avalia Rosenbaum. Benjamin Moser, autor de Clarice, a biografia que em 2009 galvanizou a fama internacional da escritora, também resiste à classificação: “Ler Clarice é uma experiência muito pessoal. Falar dela no código nacional ou acadêmico é uma péssima ideia, é permitir que um grupinho sem imaginação enterre uma artista em um túmulo empoeirado”, afirma. “Clarice é melhor descrita como uma amante com a qual alguém tem momentos de luz, de amor, de sexo e de morte. Isso soará exagerado para aqueles que não a leram, mas, para aqueles que sim, parecerá óbvio e até mesmo um pouco limitado.”
Lispector morreu em 1977. Sua influência sobre futuros escritores do país acabou por ser mais problemática do que o esperado. Muitos tentaram ocupar seu espaço e, durante anos, proliferaram imitações de seu estilo: algumas excessivamente místicas, outras simplesmente impenetráveis. Outros escritores fugiram de sua temível sombra. Caio Fernando Abreu, um escritor dos anos setenta e oitenta que hoje também passa por um revival, 20 anos após sua morte, recusou-se a ler a obra de Lispector para não se contaminar. Não foi o único. “Um jovem escritor de São Paulo me disse que, depois de Clarice, muitos brasileiros sentiram que não tinham nada a dizer”, lembra Moser.

"Por não conceder entrevistas, por ter se isolado e cercado sua vida de mistério, criou ao redor de si uma aura de inacessibilidade ao lado de uma legião de fãs idólatras"

Ao mesmo tempo, a visão universal de Lispector ajudou sua obra a ganhar terreno no exterior. Em 1954, foi publicada na França a primeira tradução de um romance da escritora. Em Nova York, o primeiro foi lançado em 1964; já nos anos oitenta, os títulos em inglês haviam se multiplicado. A editora Schöffling & Co. comprou os direitos em alemão, e a Siruela fez o mesmo em espanhol. “Ela sempre foi uma figura de culto, mas apenas entre os especialistas, como um segredo bem guardado. Foram as traduções e o interesse que começou despertar no exterior que a transformaram em um fenômeno brasileiro”, opina o editor e escritor Pedro Corrêa do Lago. O prestígio de outros países completou a equação. Com um estilo tão peculiar que se limitava à sua obra, tendo cultivado muito pouco sua faceta pública e com seu nome mais endossado pelo estrangeiro do que pelo próprio país, Clarice Lispector passou a ser uma figura de culto. Mais algumas décadas nesse caminho e estaria protagonizando memes para a próxima geração.
Pelo menos por enquanto, desde que sua presença permaneça relativamente próxima no tempo. Seu valor para o país é claro: “É, juntamente com Guimarães Rosa, a grande escritora da segunda metade do século XX”, diz Corrêa do Lago. Talvez seja questão de que, com o tempo, acabe encontrando um espaço que não dependa de representar ou não a mentalidade brasileira. “E Shakespearerepresentava a mentalidade inglesa? Ou Cervantes, a espanhola? No início, claro que não: eram simples escritores, e Dom Quixote poderia ter sido escrito na França tanto quanto Hamlet poderia ter sido escrito na Itália”, protesta Moser. “Mas os grandes artistas sabem projetar, de uma maneira muito estranha, uma visão muito excêntrica e pessoal sobre os falantes de todo um idioma, e também sabem fazer com que acreditem que essa visão é sua. Assim, é impossível imaginar o espanhol sem Cervantes, o inglês sem Shakespeare, e o português sem Clarice.”

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Pink Floyd / Hey You





Pink Floyd
HEY YOU


https://www.youtube.com/watch?v=MKQNiXdVa5g


Hey You
by PINK FLOYD 

Hey you out there in the cold
Getting lonely getting old
Can you feel me?
Hey you standing in the aisles
With itchy feet and fading smiles
Can you feel me?
Hey you don't help them to bury the light
Don't give in without a fight

Hey you out there on your own
Sitting naked by the phone
Would you touch me?
Hey you with your ear against the wall
Waiting for someone to call out
Would you touch me?
Hey you, would you help me to carry the stone?
Open your heart, I'm coming home

But it was only fantasy
The wall was too high, as you can see
No matter how he tried, he could not break free
And the worms ate into his brain

Hey you, out there on the road
Always doing what you're told
Can you help me?
Hey you, out there beyond the wall
Breaking bottles in the hall
Can you help me?
Hey you, don't tell me there's no hope at all
Together we stand, divided we fall




My favourite album / Dark Side of the Moon by Pink Floyd





domingo, 22 de outubro de 2017

George Saunders ganha prêmio Man Booker 2017 por 'Lincoln in the Bardo'


George Saunders 

ganha prêmio Man Booker 2017 

por 'Lincoln in the Bardo'

Escritor americano superou outros cinco finalistas com obra que mistura relatos 
de centenas de narradores para contar a morte do filho de Abraham Lincoln.


Por France Presse
18/10/2017 07h47 Atualizado 18/10/2017 07h47


O americano George Saunders venceu o Man Booker 2017, prêmio literário mais prestigiado na língua inglesa, por "Lincoln in the Bardo", um romance "profundamente original", anunciou o júri nesta terça-feira em Londres.

Saunders, um texano de 58 anos famoso por seus romances curtos e pelos artigos que escreve para revistas, superou outros cinco finalistas com a sua primeira história de formato clássico na qual se misturam relatos de centenas de narradores para contar a morte do filho de Abraham Lincoln, Willie, aos 11 anos.

"A forma e o estilo deste romance profundamente original dão lugar a um relato espiritual, inteligente, extremamente comovente", comentou Lola Young, presidente do júri.

Saunders, escritor cujas histórias curtas não foram traduzidas para muitos idiomas, é professor na Universidade de Siracusa, cidade do centro do estado de Nova York.

O prêmio Man Booker, criado em 1969, estava reservado aos escritores dos Estados da Commonwealth até 2014, quando ampliou a sua seleção para todos os escritores de países que falam inglês.