domingo, 25 de junho de 2017

Brasigois Felício / Clarice Lispector / Clariceando o mistério


Clariceando o mistério

Brasigois Felício
25/07/2010 ÀS 09:59 AM

Tão estranha como foi, e estranho o olhar com que via os mistérios do mundo, que parece não ter existido, a não ser pelos estranhos personagens que inventou ou viu, nas praças e ruas de cidades do Brasil e do estrangeiro, em epifanias brotadas de uma sensibilidade antenada com o inesperado. Pois Clarice não interpelava o inesperado, aceitando-o, não como um estrangeiro atrevido, mas como um visitante familiar a si própria, e a todo e qualquer vivente desta nave planetária que habitamos. No dizer de Manoel de Barros sobre si próprio, pode-se intuir que Clarice “carregava seus primórdios num andor, e vivia a abrir descortinos para o arcano”.
Dizem que Clarice Lispector, a estranha, nascida Haia Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora brasileira, nascida na Ucrânia. Autora de linha introspectiva, buscava exprimir através de seus textos, as agruras e antinomias do ser. Suas obras caracterizam-se pela exacerbação do momento interior e intensa ruptura com o enredo factual, a ponto de a própria subjetividade entrar  em crise.
De origem judaica, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. A família de Clarice sofreu a perseguição aos judeus, durante a Guerra Civil Russa de 1918-1921. Seu nascimento ocorreu em Chechelnyk, enquanto percorriam várias aldeias da Ucrânia, antes da viagem de emigração ao continente americano. Chegou ao Brasil quando tinha dois  anos de idade.
A família chegou a Maceió em março de 1922, sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin. Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania – irmã, todos mudaram de nome: o pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia — irmã, Elisa; e Haia, Clarice. Pedro passou a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.
Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade do Recife, onde passou parte da infância. Falava vários idiomas, entre eles o francês e inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche. Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance “A Hora da Estrela” com câncer inoperável no ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi inumada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro.
Mas isto é o que registra a enciclopédia livre da wikipédia. Sobre esta misteriosa criatura humana, angustiada e inesperada sempre, em suas visões epifânias, importa mais intuir o que se oculta sob as dobras da palavra, no entre-lugar do interdito. Pois, tendo sido autora de fato e direito existida, foi também personagem de si mesma. Tanto assim que, internada, ao ver os lençóis de sua cama empapados de sangue, tentou sair do quarto, sendo contida pela enfermeira, a quem empurrou, e no desespero de não poder escapar dali, gritou: “Você matou meu personagem!”.
Mesmo sendo a misteriosa Clarice, de que falou Caetano Veloso, em canção bela e antiga, ela como mãe provedora e cidadã pagadora de impostos. A escritora tinha que se virar, vendendo textos jornalísticos. Ou seja: vendia o miolo da cabeça para comprar o miolo do pão. Escreveu até mesmo colunas de amenidades para madames deslumbradas, ou simples donas de casa, a quem passava receitas bem de classe média metida a besta. Para ganhar algum din-din, mas certamente para descansar de suas profundezas — pois viver todo o tempo no mistério não deve ser moleza.
Fernando Sabino disse-lhe, em entrevista, que o sucesso atrapalha o artista, pois neutraliza sua vontade de se afirmar. Clarice confessou ao amigo Fernando Sabino que também tinha medo do sucesso: “Antes, durante e depois do ato criador eu tenho medo do sucesso. Acho que é grande demais para mim!”. Ademais, fazer sucesso deve mesmo inspirar medo a quem ambicione tê-lo, já que no Brasil ele é recebido como ofensa pessoal, no dizer de Antonio Carlos Jobim. Clariceamente falando, digo que a morte só é um problema enquanto estamos vivos. Embora digam que é o indesejado repouso, no fundo, a morte é apenas um recurso da vida, para continuar eternamente viva.
Para alguns — não para todos — a morte pode ser uma justificação da vida. Embora a morte possa justificar uma vida, nenhuma vida pode ser tão grandiosa, que possa justificar a sua morte. Dou os trâmites por findos, insisto no quesito: a não ser esta estranha e misteriosa Clarice, a senhora Lispector existiu, de verdade?


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