terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Projeto para ler como um escritor



PROJETO PARA LER COMO UM ESCRITOr

JANEIRO 6, 2014 | LUALIMAVERDE

63_crusoeProjeto Romances Ingleses Setecentistas
Sempre que leio um livro que se refere a outros livros fico curiosa para conhecê-los e isso acontece muito com livros de teoria ou análise literária. Há alguns meses tenho lido A Ascensão do Romance, de Ian Watt, e me propus a ler os 5 romances de que o autor trata: Robinson Crusoé e Moll Flanders, de Daniel Defoe; Pamela e Clarissa, de Samuel Richardson e Tom Jones, de Henry Fielding. Assim eu poderia conhecer aqueles que são considerados por muitos os primeiros representantes do gênero romance. Com Daniel Defoe foi tranqüilo: apesar deMoll Flanders ter uma história episódica demais, consegui ler sem maiores problemas.Robinson Crusoé foi uma surpresa, o autor consegue prender o leitor para o cotidiano do personagem, mesmo que haja pouca ação. É um livro mais de reflexão sobre a vida, solidão e ambição do que de aventuras, como eu julgava que fosse.
Já Pamela, de Richardson, foi um exercício de paciência. É um romance epistolar sobre uma garota que tenta fugir das investidas do patrão e desabafa através de cartas para seus pais. Como eu comentei no Goodreads, é uma espécie de A Bela e a Fera do século XVIII e acabei desistindo da leitura, coisa que detesto fazer. Por conta disso, não devo ler Clarissa também, pois apesar de ser considerado bem melhor que Pamela, não estou querendo encarar suas centenas de páginas em inglês (acredito que não há edição brasileira), ainda mais sabendo que a história é semelhante à de Pamela. Agora só falta Tom Jones, do Fielding, que irei ler assim que conseguir uma cópia.
01_escritorProjeto Para ler como um escritor
Outro livro que está me servindo de guia de leitura é o Para ler como um escritor, de Francine Prose. Estou pegando carona num projeto pessoal da Juliana Brina e aos poucos vou comentando por aqui o que eu for conseguindo ler de suas indicações. Serão comentários breves e não irei falar sobre o livro em si porque a Juliana já está fazendo ótimos vídeos sobre o livro e as obras contempladas nele. Basta dizer que é um livro sobre leitura atenta, uma guia para leitores e aspirantes a escritores prestarem atenção em detalhes dos textos literários. Para minha grande surpresa, o livro já me jogou para uma direção bem bacana, que é a leitura de contos, gênero que tendo a torcer o nariz. Comentarei em seguida alguns dos que já li, avisando de antemão que haverá spoilers.
03_flannPara começar, um dos que mais me deixou encantada: “Um homem bom é difícil de encontrar”, de Flannery O’Connor. É a história de uma família que sai de férias em direção à Flórida e no meio do caminho, por uma intervenção equivocada da avó da família, acabam sofrendo um acidente que os levam a uma tragédia ainda maior: o encontro com um psicopata que está a solta. Você percebe, ao ler o conto, que a autora pensa em cada detalhe, como ela é cuidadosa e consciente do que está fazendo e como são bonitas as antecipações que ela dá ao leitor do que vai acontecer. É interessante perceber como a personagem da avó prepara toda a situação, como se ela fosse realmente a fonte de toda a desgraça que vai cair sobre aquela família: ela evoca a existência do psicopata mostrando a notícia sobre ele no jornal; ela concorda em fazer a viagem, mesmo sendo contra; ela coloca violetas no peito para o caso de acidente pensarem que ela é distinta; ela leva o gato escondido; ela leva a família a um lugar inexistente e não tem coragem de dizer que estava enganada…
A impressão que tive, logo quando a família pega a estrada errada, foi a de que é como se estivéssemos dentro de uma fantasia da avó, uma fantasia daquelas que as pessoas têm de que aconteça uma desgraça só para que elas provem que estavam certas. É emblemático ela ser a última personagem a morrer, ou mesmo a visão do carro preto do assassino chegando ao longe, com a aparência de um carro fúnebre, como se a própria morte chegasse para levá-los. Pode-se pensar também em destino, um destino implacável, um castigo que mostra que “ser bom” não é algo tão simples ou superficial como pensa a avó, não é apenas rezar e parecer uma senhora distinta. Mais simbólico ainda é ela ser julgada pelo Desajustado no final, que comenta que ela seria realmente uma pessoa muito boa se estivesse o tempo todo sob a mira de uma arma. E essa dicotomia do ser humano, ser bom ou ser mau, bem como o que é justo ou injusto, é resumida numa fala dele e lhe serve de justificativa para as coisas que ele faz: “não consigo encaixar as coisas para que tudo que eu fiz de errado corresponda a tudo que sofri de castigo”. A avó e a família também não, por mais que fossem pessoas egoístas e hipócritas, talvez não merecessem o que lhes acontece, mas é justamente essa a ironia do Desajustado e essa é a genialidade da O’Connor, que eu espero encontrar em seus outros contos.
02_mansfOutro conto indicado pela Prose é o “As filhas do falecido coronel”, da Katherine Mansfield, que conta a dificuldade de duas irmãs ao se depararem com a morte do pai, já que elas não sabem o que fazer com a liberdade conquistada. As personagens são duas solteironas que vivem como se fossem duas crianças. Em sua maneira de falar e em cada atitude cotidiana elas demonstram o medo que sentem do pai – mesmo depois que ele morre –, o medo da empregada, o medo da vida. Muito sutilmente a autora nos revela o quanto esse pai era tirano e o quanto as irmãs estão perdidas, como o tempo passou e o que restou para elas é pouco. Senti uma leve semelhança com os contos da Lygia Fagundes Telles, talvez pelo clima que ela constrói, por essas sutilezas que vão demonstrando as características dos personagens mais pelo que escondem do que pelo que mostram.


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