sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Katherine Mansfield / Contos / Resenha

Katherine Mansfield


KATHERINE MANSFIELD
CONTOS
DEZEMBRO 27, 2014 | LUALIMAVERDE
02_mansfEsta coletânea de contos de Katherine Mansfield cobre textos de vários momentos de sua vida como escritora e nela é possível perceber uma certa diferença entre os primeiros e os últimos, já que a autora parece se preocupar mais e mais com a linguagem e com o mundo interior dos seus personagens.
Nos primeiros contos, existe uma tendência em retratar viagens, situações em cafés, hotéis e trens, ambientes com pessoas desconhecidas, estrangeiras. São momentos em que o personagem está muito atento ao seu redor, pois tudo é novo e estranho. As pessoas são inéditas e as circunstâncias, mesmo corriqueiras para quem é do local, são curiosas para quem é forasteiro. Em “Alemães comendo”, uma mulher inglesa, durante uma refeição num café ou pousada, se vê diante de uma atitude de superioridade de alguns alemães, pouco antes da Primeira Guerra. Já durante a guerra, temos “Uma viagem indiscreta”, um conto com atmosfera um tanto onírica, que inicia com uma viagem de trem e culmina em outro café: uma mulher se utiliza de alguns disfarces para encontrar-se com um jovem cabo.
“A pequena governanta” também se passa em grande parte durante uma viagem de trem, ainda que aqui essa viagem tenha uma importância maior, pois ela não serve apenas como um meio de chegar a um lugar, ela representa todas as mudanças que irão ocorrer na vida da personagem. É um conto cheio de símbolos e assinala bem o medo de uma mulher diante de um mundo governado pelos homens, mas também a esperança, a busca pela felicidade nas coisas simples. Com uma carga semelhante de ingenuidade à da pequena governanta, mas sem a desculpa da juventude, a “Srta. Brill” também busca ser feliz com as pequenas coisas, mas aqui ela se limita a observar a vida em vez de vivê-la. Uma triste história sobre solidão, assim como “Je ne parle pas français”, em que um jovem parisiense, supostamente escritor, conta sua história malfadada com um casal inglês.
“Prelúdio”, “Na Baía”, e “A Casa de Bonecas” compõem uma trilogia de contos ou noveletas baseadas na infância da autora na Nova Zelândia. Basicamente apresentam pequenos momentos familiares dos Fairfields: o casal Linda e Stanley Burnell, seus filhos, a mãe de Linda, a Sra. Fairfield, a irmã Beryl e os funcionários da casa. No primeiro acompanhamos a mudança deles da cidade para o campo. No segundo, um dos mais belos contos do livro, vemos o dia nascer e morrer na praia, quando a família está em alguma casa de veraneio. A narrativa guarda um tema que se repete: a vida das mulheres (e crianças) sem os homens, a liberdade feminina. E no último, o foco é nas crianças, o mundo infantil como espelho do mundo adulto: a revolução que causa a chegada de uma linda casa de bonecas para as meninas. Estes contos são marcados pelos problemas femininos da época que retrata, que não são tão diferentes dos de hoje: mulheres que têm filhos mas que não apreciam ser mães, mulheres que vivem a serviço de um “chefe de família”, mulheres que acreditam que só terão valor quando casarem.
O casamento, inclusive, também é tema em “Marriage à la mode” e “Conto de homem casado”. Ambos falam sobre máscaras na vida conjugal, e enquanto em um não sabemos o que é máscara e o que é verdadeiro, pois há uma personagem que acha mais importante alimentar sua vaidade que dar atenção ao marido que ama, em outro a máscara está bem clara, pois trata-se de um relato de alguém que vê muito claramente que seu casamento é apenas uma farsa. Infelizmente este conto é incompleto e assim como “A Mosca”, que conta da angústia de um pai que perdeu seu filho para a guerra, o leitor não tem como saber a que fim as histórias iriam chegar.
Por fim, um conto que já comentei aqui, “As filhas do falecido coronel”, que conta as reações de duas irmãs ao se depararem com a morte do pai, já que elas não sabem o que fazer com a liberdade conquistada. Assim como em vários outros contos da coletânea, o que mais percebemos é que aquilo que é mais importante nunca é dito, é sempre sugerido, subentendido. O essencial está sempre escondido nos pequenos gestos e Mansfield se mostra uma sábia ilusionista que mostra com uma mão enquanto esconde com a outra.
LUA LIMAVERDE
FICÇÕES DO INTERLÚNIO


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