domingo, 15 de novembro de 2015

Italo Lobo / Cinema, Literatura e Lolitas

CINEMA, LITERATURA E LOLITAS

Até que ponto é possível - ou não - comparar o que se vê nos livros e nos filmes?

Por Italo Lobo

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Literatura x Cinema
Por mais que as diferentes artes possam, às vezes, estar interligadas, compará-las é uma tarefa praticamente inútil. Literatura e Cinema que o digam. Historicamente, grande parte dos roteiros cinematográficos é baseada em livros. E não há problema algum nisso. O problema é outra coisa.
A tão conhecida frase de Stanley Kubrick “tudo que pode ser escrito pode ser filmado” deve ter sido um dos poucos erros do brilhante cineasta. Claro, o que ele fez filmando 2001 é um caso isolado, uma exceção em qualquer aspecto que lhe seja válido seja em termos de adaptação, já que foi um dos diversos livros dos quais se diziam infilmáveis, ou em termos de perfeição técnica cinematográfica, que até hoje não foi igualada na relação de proporção entre recursos tecnológicos/qualidade do resultado.
E alguém ainda duvida que a frase de Kubrick não deve ser levada muito a serio? Enumerando apenas alguns pontos: 1- Livros são feitos para atiçar a imaginação de quem lê. Os detalhes, por mais minúsculos que sejam, são essenciais. Filmes são o contato visual, onde a imagem, o som, já vêm prontos para nossos sentidos. 2- Nos livros, várias vezes são apresentados os pensamentos de cada personagem, ou a descrição de cada detalhe de cada metro cúbico do lugar em que a trama se encontra. Nos filmes, o cara que dirige não vai ficar pausando a cena toda hora nem para inserir o que a personagem sente ou pensa nem para indicar com uma seta a cor do tapete, a quantidade de lâmpadas do lustre ou a vestimenta do vilão. E tem gente que reclama que o filme muda o corte de lugar no corpo do mocinho. 3- Livros não têm padrões de páginas ou tempo para ler. Filmes não variam muito sua duração entre 80 e 150 minutos.
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Deveria estar claro para todos, mas parece não estar: não dá para comparar os dois: livros sempre serão mais detalhistas, e os filmes sempre serão mais mastigados e resumidos, e nunca 100% fiéis a nada. Aliás, tocando nesse ponto, e ainda mais por serem dois segmentos artísticos tão diferentes, um filme não fica melhor ou pior por não ter sido mais ou menos fiel a seu livro ou história em quadrinhos de origem. Se assim fosse, os filmes Cinegibi da Turma da Mônica seriam todos obras-primas...
Não existe "o livro é melhor que o filme". O ideal é dizer "gostei mais de ler o livro do que de assistir ao filme", ou "as qualidades do livro são melhores", ou algo que o valha.
Avaliando e julgando um filme somente baseado naquilo que se vê
Vi O Iluminado. Mas não li o romance escrito por Stephen King. Sem problemas. Não preciso lê-lo para concluir se gostei ou não do filme.
Vi A Morte do Demônio recentemente, quando foi lançado. Mas não vi o de Sam Raimi. Tudo bem. Não preciso ver o original para concluir se gostei ou não do remake/reboot.
A graça do Cinema é essa. Um filme pode ter relação com vários outros, mas não precisa destes para ser avaliado. Ele pode muito bem ser desnecessário, como os remakes ou continuações desgastadas, mas isso já é outra história.
424650_800wc1.jpg Por que esta imagem? Nem eu sei direito.
Agora mudando um pouquinho de assunto, tem uma situação a qual sou contra: 3D. Vi Premonição 4 e 5 e achei ambos uma merda, e toscos graficamente até não poder mais. Ao mesmo tempo em que já li que ver aquelas mortes no cinema em 3D é uma sensação bacana. O mesmo se diz sensorialmente de Avatar, que ainda não vi.
É isso que acho errado. Defendo que um filme deve ser apreciado igualmente em qualquer circunstância. É claro que ver em tela grande é melhor e mais prazeroso do que em um monitor de 16 polegadas. Mas mesmo vendo no PC, posso reconhecer que o filme seja magnífico.
Agora outra situação: não li Lolita, de Vladimir Nabokov, mas vi as duas versões cinematográficas. Convém compará-las? Sim. Por que não?
Lolita x Lolita
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Repetindo: não li o livro. E nada me importa que a versão de Adrian Lyne seja mais fiel a ele. Darei agora os motivos que me fazem considerá-la um aborto cinematográfico. Se tais motivos apresentados por mim forem inválidos e retratam exatamente o que a obra quis passar, ninguém pode julgar-me.
Aliás, acho que não há um ser humano que veja um filme original e remake sem compará-los. São independentes entre si? São. A ruindade de um compromete a qualidade do outro? Não. Mas acredito que seja necessário notar o que um difere do outro. Pode ser para tentar compreender porque alguém quis fazer uma nova versão (será que fulaninho quer acrescentar seu estilo ou algo que sicraninho não fez?), ou até se Haneke fez alguma outra coisa diferente em seu Violência Gratuita - Made in USA que não seja poupar os pobres espectadores estadunidenses de terem que ler legendas.
Por último: antes mesmo de alguém saber a minha idade, o nome de minha mãe ou o número de meu tênis, este alguém saberá que Stanley Kubrick – de novo ele – é o meu diretor predileto. Aí você pode concluir: “claro que ele prefere a versão de 1962. Ela é do Kubrick.” Mas não sou estúpido (não a esse ponto). Afinal de contas: não idolatro Lolita por este ter o nome de Kubrick na direção, mas idolatro Kubrick por ter feito Lolita (e Laranja Mecânica. E 2001. E Nascido para Matar. E Glória Feita de Sangue. E O Iluminado. E Dr. Fantástico).
Vale citar também que se trata de um dos meus 5 ou 10 filmes preferidos. Logo, as chances que haviam de eu gostar mais da versão de 1997 eram as mesmas de você já ter assistido a The Movie Orgy, de Joe Dante. Mas nem mesmo o pior de meus pessimismos imaginava que eu pudesse sentir tanta repulsa.
SPOILERS - A partir daqui, é preferível que leia somente se você já viu pelo menos a versão de Kubrick. Se assim for, adorarei induzir-te como se você fosse Alex de Large; eu, o tratamento Ludovico; e a versão de Lyne, a boa e velha ultraviolência. Mas sem a volta de Alex a seu estado inicial, claro.
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Embora ambas as versões tenham uma duração parecida, aqui é tudo muito atropelado. Junte a isso o fato de todos, TODOS os personagens e atuações serem indiscutivelmente inferiores a sua versão antecessora. Se em 62 Humbert foi se degradando aos poucos, assim como o sentimento progressivo por Dolores Haze, aqui desde o primeiro contato com a moça ele já demonstra toda uma cara de velho-babão, que permanece até que apareçam os créditos finais. Charlotte aqui só faz gritar como uma louca. Sorte que a sua morte também é bem mais rápida. E Lolita, pobre garotinha, retratada como uma dama por Sue Lyon, aqui é uma adolescente incrivelmente irritante e estúpida, que passa boa parte do filme fazendo barulhos com a boca e mastigando botões(?). Eu entendo que é, ou pelo menos deveria ser, essencial que emanasse dela certa sensualidade. Mas não há. Nem mesmo com as roupas bem mais curtas e pele bem à mostra.
Outro problema com relação ao original é a falta de algumas situações importantes. Aqui não há a tal da festa na qual somos apresentados a Clare Quilty. Depois da festa, naturalmente Lolita iria dormir na casa da amiga enquanto Charlotte e Humbert teriam a casa só para eles. Essa passagem servia perfeitamente para fortalecer tanto o sentimento de Humbert para com Lolita quanto o de Charlotte para com Humbert. Nesta nova versão, tudo soa artificial demais.
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E a versão de Kubrick era engraçada. Mas engraçada mesmo, sem ofender o espectador. Humbert lia a carta de declaração de amor de Charlotte soltando uma bela risada a cada asneira. Sem contar na cena pós-morte de Charlotte, na qual ele está lá todo sossegadão e sorridente na banheira, enquanto os parentes da agora falecida esposa estão desesperados e preocupados com a saúde emocional do recente viúvo.
Mas, meus amigos, se tem um ponto que desequilibra totalmente a favor do original, este atende pelo nome de Clare Quilty. O que Peter Sellers fez foi fenomenal, interpretando com astúcia um homem onipresente, se fazendo passar por médico e conselheiro com todos nós, espectadores, cúmplices de suas artimanhas. O Quilty de Langella é ausente, um total desconhecido para nós até os últimos 10 minutos de filme. Antes, são só aparições nas quais a única coisa nítida é sua voz. Parece até que saiu do desenho Tom & Jerry, no qual dos adultos só víamos as pernas.
lolita.jpeg A cara de Sue Lyon, ao dizerem a ela que o Lolita mais recente é melhor.
Engraçado mesmo são as comparações feitas com as duas versões no quesito de escândalo, teor pedófilo, sexualidade. E é lamentável que ainda haja quem comente isso. Em 1962, o mundo era diferente. A censura era predominante. É óbvio que na versão de Lyne tudo é explícito, enquanto na de Kubrick não. É óbvio que na versão de Kubrick não é mostrado sexo. É óbvio que na versão de Kubrick, no hotel, eles dormem em locais separados, enquanto na nova, na mesma cama. É óbvio que na versão de Kubrick só há abraços ternos entre padrasto e enteada, enquanto na de Lyne há agarrões e beijos de língua.
Com isso termino, caro leitor. E peço perdão. De repente, todos os fatos que me incomodaram no filme de 1997 sejam qualidades na obra de Nabokov. Talvez por isso senti necessidade de desenvolver uma espécie de prefácio falando de literatura/cinema/remakes, assuntos que acho que valem a pena serem falados e discutidos.

OBVIOUS


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