quarta-feira, 29 de julho de 2015

Conheça 12 histórias sobre Amy Winehouse que os tabloides não contaram



Amy Winehouse

Conheça 12 histórias 

sobre Amy Winehouse 

que os tabloides não contaram


James Cimino
Do UOL, em San Francisco (EUA)23/07/201506h00


Há quatro anos o mundo perdia a talentosa e problemática cantora Amy Winehouse. Marcada pelo vício em álcool e outras drogas, a intensa e breve vida desta britânica de família judaica foi vasculhada à exaustão, mas detalhes mais corriqueiros de sua intimidade foram ofuscados pelo sensacionalismo.
Na tentativa de mudar a imagem de pessoa problemática que se consolidou sobre Amy, seu irmão mais velho, Alex Winehouse, resolveu ceder ao Museu Judaico de Londres diversos objetos pessoais da irmã para uma exposição chamada "Amy Winehouse: Retrato de Família". Esta mostra chega nesta quinta-feira (23), aniversário de 4 anos de sua morte, ao Contemporary Jewish Museum (Museu Judaico Contemporâneo) de San Francisco, Califórnia.
Marcada pelas observações de Alex e pelos relatos que se escondem por trás de diversas fotos de família e objetos pessoais da cantora, a exposição, segundo um dos curadores, Pierre-François Galpin, é uma tentativa do irmão de mostrar a Amy Winehouse que sua família conheceu na intimidade. "Ele queria mostrar que ela era sua irmã, uma garota judia de Londres e que não era o centro de sua família. Como ele mesmo diz, ninguém era", comenta Galpin.
A reportagem do UOL participou de uma abertura prévia da exposição na última terça-feira (21) e traz 12 histórias sobre a vida da cantora que os tabloides não contaram.
TARÓLOGA
James Cimino/UOL
Fotos dos avós de Amy na mostra "Amy Winehouse: Retrato de Família"
Amy Winehouse sabia ler cartas de tarô. Quem lhe ensinou foi sua avó Cynthia Winehouse, uma das primeiras figuras a aparecerem na exposição. A semelhança entre neta e avó era impressionante. E, segundo Alex, "nan" (vó) Cynthia era uma mulher muito vaidosa, elegante e aberta aos netos. "Podíamos fumar com ela e a tratávamos muito mais como amiga do que como avó".
Jame Cimino/UOL
Uniforme de Amy Winehouse na escola primária (alto) e livro de receitas judaicas que pertencia à cantora (canto inferior dir.)
SOPA DE GALINHA
No aniversário de 19 anos de Amy, Alex a presenteou com um livro de receitas da cozinha judaica porque Amy queria aprender a cozinhar uma sopa de galinha. De acordo com ele, a sopa nunca foi uma grande receita da irmã, que era boa mesmo em fazer almôndegas.
UNIFORME DO PRIMÁRIO
Após sua morte, a família começou a fazer o inventário das coisas pessoais de Amy. Durante a exposição, Alex relata sua surpresa ao descobrir que Amy havia guardado seu uniforme escolar do primário: um casaco de lã azul marinho e a gravata do conjunto, com seu nome costurado por dentro. Junto a este uniforme, há algumas fotos do período. É impressionante notar que, em uma foto de uma de suas turmas, Amy aparece ao centro, sentada com as pernas um pouco abertas e, por alguma razão, já se destacando entre os demais. Sua presença no centro da foto é hipnotizante, e ela ainda nem era adolescente, nem cantava.
CINCO MINUTOS
Aos 14 anos, Amy Winehouse entrou em uma escola de teatro. O teste seletivo incluía um ensaio no qual ela escreveu o seguinte: "Quero que as pessoas ouçam a minha voz e apenas… esqueçam seus problemas por cinco minutos. Quero ser lembrada por ser uma atriz e cantora que lotava shows de West End à Broadway apenas por ser eu mesma."
25 CANÇÕES
James Cimino/UOL
Instalação na exposição remonta as influências musicais de Amy Winehouse
É notória a influência das grandes estrelas do jazz e do blues na carreira de Amy Winehouse. Talvez por isso, muito cedo ela fez uma lista com suas 25 canções favoritas, que ficam tocando na sala de exposição. Entre os hinos de Amy estão "Moonriver" (tema do filme "Bonequinha de Luxo"), "Georgia on my Mind", "Lady Marmalade" (na voz de Patti Labelle), "What a Wonderful World", de Louis Armstrong, e apenas dois rock, destoando de todo o repertório: "Alive", do Pearl Jam, e "Self Esteem", do Offspring.
MAIS MÚSICA
Junto à sua lista de músicas, a exposição mostra parte dos CDs e discos de vinil que Amy colecionava. Seu primeiro disco não foi nada excepcional: "O Clube do Mickey". Fora isso, a cantora tinha Mary J. Blige, George Michael, vários de Ray Charles, Aretha Franklin e Bob Darin, Frank Sinatra e Duke Ellington aos montes, Miles Davis, "The Miseducation of Lauryn Hill" e até Earth, Wind & Fire.
BAR DE BUGIGANGA
James Cimino/UOL
Bar em estilo dos anos 1960 que pertenceu a Amy Winehouse
Dentre os objetos pessoais que estão expostos no museu, um deles é um móvel: um bar estilo anos 1960 (claro!), com um rádio antigo em cima. Segundo o irmão, Amy nunca usou o mobiliário para guardar bebidas. Em vez disso, colocava ali contas a pagar, documentos e bugigangas. Dentre suas bugigangas favoritas, vários lápis de cor e palavras cruzadas, um vício adquirido da mãe.
BUKOWSKI E DOSTOIÉVSKI
O curador da mostra disse em entrevista ao UOL que uma das facetas mais surpreendentes da cantora, em sua opinião, era sua avidez por leitura. Pode-se ver na exposição alguns de seus livros, que incluem autores como Charles Bukowski, um livro sobre o diretor Alfred Hitchcock e uma coleção do escritor russo Fiódor Dostoiévski, que mantinha escondida e que, talvez por isso, não apareça na mostra.
James Cimino/UOL
Ímãs de geladeira com pin-ups falando barbaridades, colecionados por Amy
ÍMAS DE GELADEIRA
Além de se vestir como uma pin-up, Amy Winehouse também colecionava ímãs de geladeira com pin-ups falando barbaridades com um sorriso incrivelmente cínico no rosto. "Prozac: Wash your blues away!" ("Prozac: Lava sua tristeza!", em tradução livre); "Eu não sofro de insanidade. Eu aproveito cada momento dela!". Outras, parecem letra de sertanejo universitário: "Melhor amar e perder que passar o resto da vida com um psicopata" e "Voei no meu ex, apertei a tecla 'reverse' e bati nele de novo!". Este é um dos vários momentos em que a exposição alcança o objetivo de mostrar que a cantora era uma garota comum, que poderia ser sua amiga de colégio ou de balada.
VESTIDOS E SAPATOS
James Cimino/UOL
Vestido de estampa xadrez da grife Arrogant Cat com cinto Fred Perry e sapatilha surrada que Amy Winehouse usou no clipe de "My Tears Dry on Their Own"
Dos poucos figurinos que Amy Winehouse teve oportunidade de usar em sua breve carreira, a maioria tornou-se icônica. Eles estão presentes à exposição, como um vestido de flores azuis da grife Luella, que ela usou em sua participação no festival de Glastonbury. Os sapatos variam de Christian Louboutin, passando por Yves Saint Laurent, Fendi e Salvatore Ferragamo. Há ainda no recinto muitos lenços, gravatas, cintos e suspensórios usados pela cantora. Mas a peça de destaque é simples. Seus figurino favorito era um vestido de estampa xadrez, da grife Arrogant Cat, que aparece com um cinto da marca Fred Perry, cuja fivela teve uma parte de seu revestimento de couro arrancada. Completa o quadro uma sapatilha rosa bebê bem surrada, com algumas manchas. Ela usou essa composição no clipe de "My Tears Dry on Their Own", em que aparece andando pelo seu lugar favorito de Londres: Camden Town.
LADRA DE FOTOS
Na parte central da sala de exposição aparece uma mala de couro em que Amy Winehouse guardava todas as fotos de família que, segundo seu irmão, ela "roubou" durante os anos. De acordo com ele, poucos dias antes de sua morte, ela estava fuçando o material. "Era uma tradição na nossa família você pegar fotos de vários membros da família durante encontros sociais. E Amy era famosa por isso."
James Cimino/UOL
Livros infantis que pertenceram à cantora, entre eles um do personagem Snoopy que ela roubou de seu irmão (canto superior dir.)
SNOOPY
Talvez a peça em que o irmão Alex Winehouse tenha colocado mais emoção é um pequeno livro de historinhas do Snoopy. Segundo ele, todos em sua casa eram loucos pelas histórias do cachorrinho de Charlie Brown. "Embora nunca tenhamos ganhado nenhum boneco do Snoopy, tínhamos muitos livros dele. Foi o amor por Snoopy que fez com que minha irmã e minha mulher desenvolvessem um laço de amizade forte. Este a minha mãe me deu de presente de aniversário, mas a Amy o roubou de mim. Após a sua morte, eu o descobri em meio às suas coisas e o peguei de volta. E ele está comigo o tempo todo."





terça-feira, 28 de julho de 2015

Amy Winehouse / Mito y naufrágio



Amy Winehouse, mito e naufrágio


Documentário de Asif Kapadi, de 'Senna', mostra retrato devastador da cantora







Amy, o documentário que triunfou em Cannes e que estreou no Reino Unido e em vários países neste mês (no Brasil, a expectativa é que ele chegue aos cinemas até setembro), apresenta uma questão inquietante: quais novidades se pode contar sobre uma celebridade do século XXI? Como a de tantas celebridades de hoje, a vida pública de Amy Winehouse aconteceu em horário nobre, sendo vista pelo mundo inteiro. De alguma forma, até sua morte trágica parecia prevista, predestinada, assumida com antecedência.
Na verdade, nossa informação era escassa e incorreta. Quando morreu, em julho de 2011, todos pensaram que a “pobre Amy” tinha sofrido uma overdose de drogas ilegais. Para surpresa geral, a investigação dos legistas determinou que a causa imediata foi intoxicação aguda com uma droga legal: tinha consumido uma quantidade enorme de vodca.

O diretor do documentário, Asif Kapadia - o mesmo que dirigiu Senna (2010), sobre o piloto de Fórmula 1 e ídolo brasileiro Ayrton Senna, se encontrou com um dilema muito próprio do tempo presente: tinha muitos documentos audiovisuais da cantora, incluindo muito material nunca exibido. A primeira montagem de Amy durava três horas e os poucos que assistiram dizem que era devastador. Em sua forma final, são 128 minutos e, mesmo assim, ainda deixa um gosto amargo.
Tecnicamente, Kapadia tinha suficientes imagens e sons de Amy para que ela pudesse contar suas experiências em primeira pessoa. Mas não era suficiente: tudo foi muito rápido e nem ela entendia a experiência terrível que foi sua profissionalização, coincidindo com sua entrada na vida adulta. O filme precisava de outras vozes: amigos, família, colegas, médicos. E todos eles intervêm: a abundância de cenas de Amy Winehouse permite que o cineasta evite esse tema dos documentários que é a sucessão de cabeças falantes.
Essa opção narrativa por parte de Kapadia também tem seus perigos.Amy nos submerge em uma vida tumultuada sem permitir nem descanso ou reflexão. Kapadia inclusive reflete sobre o que podia sentir Winehouse quando saía na rua, atacada pelos flashes dos paparazzis e os holofotes das câmeras de TV. Embora mencionem a possibilidade de que seu telefone pudesse estar grampeado, não é explorada a relação – em seu caso, mais parasitária que simbiótica – entre os meios de comunicação e os famosos que são caçados por eles. É retratada a crueldade gratuita dos apresentadores de televisão, esses heróis do talk show que encenavam as maldades de seus fabricantes de gags.

A primeira montagem de Amy durava três horas e era desoladora
A potência da montagem de Amyesconde, no entanto, uma clara divisão de heróis e vilões. Mitch Winehouse não termina com uma boa imagem: o pai da artista foi para a ilha caribenha, onde ela estava tentando se recompor, acompanhado de uma equipe de filmagem, disposto a gravar um documentário que terminaria se chamando Saving Amy (Salvando Amy). Foi Mitch que decidiu que sua filha não precisava ir para a reabilitação, inspirando, de quebra, a memorável canção Rehab, mas também facilitando o aprofundamento de seus problemas.

Blake Fielder-Civil, o grande amor da vocalista, é retratado como um cafetão em todos os sentidos
Blake Fielder-Civil, o grande amor da vocalista, é retratado como um cafetão em todos os sentidos da palavra: o dinheiro de sua namorada servia para pagar o silêncio do dono de um pub que Fielder-Civil e outros amigos atacaram, um suborno que o levou a uma severa pena de prisão.
Não devemos esquecer de Raye Cosbert, o segundo manager, que tomou a decisão fatal de enviá-la em turnê quando Amy estava frágil, como se achasse que a estrada tem virtudes que podem salvar artistas com problemas. Ela era muito boa ao vivo, mas o grande número de apresentações coincidiu com seus momentos de fraqueza; precisou enfrentar plateias envenenadas, que talvez secretamente esperavam que ela fizesse coisas ridículas.

A nova idade de ouro do “soul” impulsionado por “Back in Black”

Winehouse, no 'Rock in Rio' de Madri, em 2008. /CLAUDIO ÁLVAREZ
Amy Jade Winehouse chegou em uma época boa para cantoras. Mas tinha argumentos mais do que suficientes para se destacar no mercado. Em primeiro lugar, seu ecletismo natural: dominava a sensibilidade pop doBrill Building nova-iorquino, conseguia cantar standards, mantinha a pose na frente de músicos de jazz, não era difícil se envolver com os ritmos jamaicanos, até queria competir com rappers.
O segundo, e talvez não tenha sido suficientemente apreciado: compunha com facilidade surpreendente, escrevendo letras cruas e precisas.Amy, o documentário que estreia hoje na Espanha, inclui uma entrevista inédita onde ela lamenta que agora não haja compositores como James Taylor e Carole King. Na verdade, embora utilizasse linguagens diferentes, queria chegar a esse nível de perspicácia e honestidade expressiva.
E o mais evidente: essa voz, com sua pitada desoul da velha escola, felizmente sem maneirismos. Não pretendia ser uma nova Aretha Franklin: era uma garota do bairro, abençoada por essa capacidade britânica de absorver outras músicas, que usava seus ensinamentos para tentar se mostrar ao mundo.
Seu exemplo reverbera em todo o pop triunfante da última década. O impacto de Back in Blackfacilitou a aceitação global de vocalistas londrinos polidos como Adele ou Sam Smith.
Graças à associação com Amy, prosperaram os Dap-Kings, a banda oficial do selo Daptone; um de seus produtores, Mark Ronson, arrasou recentemente com Uptown Funk, cantada por Bruno Mars.
Por outro lado, o papel de guardião paternal recai sobre Nick Shymanksy, primeiro representante de Amy. Embora, vendo em retrospectiva, qualquer um pode apontar os erros. Sua gravadora Universal Music também aparece bem, o que era previsível: a multinacional financiou o documentário.
Sensível a sua má reputação, a indústria musical se moveu com cautela ao redor de Amy: no mês passado, o atual chefe da Universal Music no Reino Unido, David Joseph, afirmava ter destruído os originais e outros materiais inéditos dela, para evitar que no futuro saiam discos fracos ou os chamados desenterrados, onde são colocados novos fundos instrumentais às pistas de voz. Com todo o respeito, é difícil acreditar nisso; além disso, são feitas várias cópias de tudo que foi gravado por uma figura importante.
Em geral, é possível afirmar que a Universal não cedeu a seus piores impulsos na hora de vender a música de Amy. Aceitou que ela não tinha energia suficiente para tentar conquistar o mercado discográfico mais importante, o dos EUA. Lançou edições corretas ampliadas dos dois álbuns publicados durante sua vida,Frank e Back to Black. Como álbuns póstumos, só editou Lioness: Hidden Treasures (2011) e Amy Winehouse at the BBC (2012).
O que não se consegue explicar emAmy é a natureza complexa do jogo em que ela se destacou. Sem subestimar seu imenso talento natural, era um produto do prodigioso pop britânico, com suas academias especializadas e seus hábeis mecanismos para cultivar projetos comercializáveis.
Aos 19 anos, sem ter gravado, Amy recebeu 250.000 libras (o que hoje chegaria a cerca de 1,2 milhão de reais) a título de adiantamento de direito autoral por suas canções presentes e futuras. Avançou na primeira divisão do negócio da música, trabalhando com produtores nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que se beneficiava do clima criativo do bairro londrino de Camden, onde participava em jam sessions sem chamar a atenção.

Amy Winehouse, em seu apartamento em Londres em 2011. / GETTY IMAGES
No entanto, apesar de toda sua potência econômica, a indústria musical não tem um Departamento de Saúde. Era óbvio que algo estava errado com Amy. Embora a indústria discográfica não sabia nada dos antidepressivos ou dos episódios de bulimia da juventude, era evidente seu emagrecimento, sua transformação física: aquela menina ossuda parecia determinada a encarnar a versão 2.0 das integrantes das exuberantes Ronnettes. Continuava praticando dieta romana: comer até se fartar e depois vomitar.
Podemos aceitar que Amy Winehouse tenha sido vítima dos modelos dominantes de beleza e terminasse ferida por um relacionamento tóxico. Ao assistir ao documentário, ficamos ainda mais espantados ao saber que sua baixa autoestima chegava até mesmo a seus extraordinários poderes para compor e cantar. É o único que hoje ninguém duvida.´



segunda-feira, 27 de julho de 2015

A história que não queriam contar de Amy Winehouse

A história que não queriam contar 

de Amy Winehouse

Mitch, o pai da cantora, entra na Justiça contra a produtora de um documentário no qual ele é acusado de ser o culpado por ela consumir drogas

Amy Winehouse
A cantora britânica Amy Winehouse. / CORDON PRESS

Amy Winehouse não só foi a selvagem cantora britânica que com sua voz rouca revitalizou o soul e que, muito a contragosto, teve a sua vida privada proporcionando manchetes à voraz imprensa marrom de seu país. Quase quatro anos depois de morrer por ingerir álcool demais, seu nome regressa às primeiras páginas britânicas no que promete ser outra longa novela.
A iminente estreia em Cannes do documentário Amy, dirigido pelo britânico Asif Kapadia, diretor do excelente Senna (sobre o falecido piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna) provocou a ira da família Winehouse, em particular de seu pai, o homem que, segundo o documentário, introduziu a artista ao mundo das drogas e do álcool. “Tinham uma ideia muito clara do filme que queriam fazer e não tinham nenhuma intenção de permitir que seus amigos ou a verdade se interpusessem em seu caminho”, argumentou Mitch Winehouse no diário The Sun. Ele é retratado também como um pai ausente, algo que marcou dolorosamente a cantora. Algo que se torna curioso, pois em março o próprio Mitch dizia sentir-se satisfeito com a realização do documentário. “Recebemos muitas propostas para um documentário sobre a vida de o trabalho de Amy. Os produtores deSenna apresentaram uma visão que olha a história de nossa filha com sensibilidade e honestidade, sem sensacionalismos. Queremos que seja um tributo a seu legado musical”, dizia o comunicado emitido pela família Winehouse. Agora, parece que o pai da cantora mudou de opinião.

O filme, que ainda não foi visto pelos críticos e que chegará às salas britânicas em 3 de julho, utiliza, entre outras coisas, acusações diretas de Blake Fielder-Civil, o ex marido da cantora, com quem ela manteve uma tempestuosa relação de quase uma década. Segundo ele, foi Mitch Winehouse a pessoa diante da qual Amy injetou heroína pela primeira vez. “Não sei como podem permitir que ele faça uma acusação tão dolorosa e inacreditável”, se defende Winehouse, que, segundo The Sun, falou com seus advogados para apresentar uma ação por difamação e impedir a estreia no Reino Unido. “Quando vi o filme pela primeira vez fiquei doente. Amy ficaria furiosa. Não é o que ela gostaria”, exclama.
O diretor e produtores do documentário se defendem afirmando que embarcaram no projeto com o apoio total da família. “Procuramos ser completamente objetivos. Realizamos mais de cem entrevistas e o filme é o resultado de todos esses encontros.”
Amy Winehouse morreu na idade maldita que muitos roqueiros não superam —os 27 anos, como Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Jim Morrison— e o filme sobre sua vida não será o primeiro que nasce envolto em polêmica. O mais comum, se a família do protagonista não estiver diretamente envolvida na produção e não puser dinheiro para financiá-la, é que nos documentários dedicados a um personagem concreto sejam contadas coisas incômodas sobre sua vida. O que ocorre é que “os mortos, inclusive os de pior aspecto, adquirem caráter de santidade”, disse Diego Manrique neste jornal em relação à polêmica criada na Espanha pela família do cantor Antonio Vega depois da estreia do filme Tu Voz Entre Otras Mil, de Paloma Conejero.
Mas a verdade é que, se não se deleitam com o fácil interesse mórbido, esses documentários não censurados pela família costumam ser os melhores porque oferecem todas as caras de um personagem, como no caso de Vega, uma pessoa que Tu Voz Entre Otras Mil mostrava com muitas gamas de cinza e, portanto, como alguém complexo, muito mais interessante do que um retrato em branco e preto.
No caso do filme Kurt Cobain: Montage of Heck, que estreou recentemente no festival de Tribeca, foi a própria Courtney Love, esposa do falecido cantor do Nirvana, que entregou ao diretor Brett Morgen todo tipo de material íntimo, o que lhe permitiu realizar um retrato “expressionista” (segundo os críticos) do artista, mas no qual a própria Love aparece muito bem como parceira amorosa do músico. Não é de estranhar, portanto, que compareça para apoiar o filme em todas as estreias. Isso não ocorreu com outros filmes, comoKurt and Courtney, de Nick Broomfield, cuja estreia Love tentou impedir em 1997 porque era mostrada como “a bruxa” da vida do cantor e ele, como um homem torturado e farto da esposa.



domingo, 26 de julho de 2015

Vargas Llosa / Nietzsche em Sils-Maria

Friedrich Nietzsche

Nietzsche em Sils-Maria

O filósofo acreditava que apenas o ser humano independente fazia o progresso







FERNANDO VICENTE
Quando Nietzsche veio pela primeira vez a Sils-Maria, no verão de 1879, era uma ruína humana. Sua visão se deteriorava rapidamente, as enxaquecas o atormentavam e as doenças o haviam obrigado a renunciar à sua cátedra na Universidade da Basileia, depois de lecionar ali por dez anos. Esta era na época uma remota região alpina no alto de Engadina, onde os forasteiros mal conseguiam chegar. Foi amor à primeira vista: ficou deslumbrado pelo ar cristalino, o mistério e o vigor das montanhas, as cascatas rumorosas, a serenidade de lagos e lagoas, os esquilos e até os enormes gatos monteses.
Começou a se sentir melhor, escreveu cartas exultantes de entusiasmo pelo lugar e, desde então, voltaria por sete anos consecutivos a Sils-Maria nos verões, por temporadas de três ou quatro meses. Sempre tinha sido um bom caminhante, mas, aqui, andar, subir encostas íngremes, meditar em montes nevados varridos pelos ventos, onde às vezes aterrissavam as águias, rabiscar os aforismos em seus livretos, um de seus meios favoritos de expressão, se tornou uma forma de viver. Em Sils-Maria escreveria ou conceberia seus livros mais importantes, A Gaia CiênciaAssim Falou ZaratustraAlém do Bem e do Mal,Crepúsculo dos Ídolos e O Anticristo.
Alojava-se na casa —que era também uma loja – do prefeito do povoado e pagava um franco por dia pelo modesto quartinho onde dormia. A casa de Nietzsche é agora um museu e sede da fundação que leva o nome do filósofo. Vale a pena visitá-la, sobretudo se o cicerone no dia for seu amável diretor, Peter André Bloch, que sabe tudo sobre a obra e a vida de Nietzsche e que organiza os seminários e colóquios que atraem a este belo povoado professores, ensaístas e filósofos de todo o mundo. A casa foi totalmente restaurada e oferece uma soberba coleção de fotografias, manuscritos —entre eles poemas e composições musicais de Nietzsche—, primeiras edições e testemunhos de visitantes ilustres, como Thomas Mann, Adorno, Paul Celan, Hermann Hesse, Robert Musil e até o inesperado Pablo Neruda, que escreveu aqui um poema. Boris Pasternak não pôde vir, mas enviou de seu confinamento soviético um longo texto fundamentando sua admiração pelo filósofo.
O único cômodo que não foi restaurado é o dormitório de Nietzsche. Surpreende pelo ascetismo. Uma caminha estreita, uma mesa rústica, um jarro e uma bacia de água. Testemunhos da época dizem que então estava cheia de livros. Mas a verdade é que Nietzsche passava muito mais tempo ao ar livre do que dentro de casa, e pensava e escrevia andando ou descansando entre as longuíssimas caminhadas que fazia diariamente. Duravam cerca de seis horas por dia e às vezes oito e até dez. Agora são mostradas aos turistas algumas rotas que, garantem os guias, eram suas preferidas, mas é pura fábula. Em primeiro lugar, a paisagem agora é diferente, civilizada pela afluência em massa de esquiadores durante o inverno, a abertura de estradas e os chalés esparramados ao redor das pistas de esqui. Nos tempos de Nietzsche esta era ainda uma terra selvagem, sem estradas, abrupta. Depois de uma difícil caminhada em meio aos pinheirais e na neve, quase à sombra, abria-se de repente uma paisagem de Éden, como a que inspiraria as bravatas e filípicas de Zaratustra.
Muitas vezes Nietzsche se perdeu nessas alturas desoladas e, em outras, dormiu e teve sonhos grandiosos ou terríveis que evocou em seus poemas e em sua música. Sempre levava a essas caminhadas um pequeno pacote de frutas e biscoitos, e os caderninhos listrados que sua irmã Elizabeth lhe enviava (podem ser folheados no museu), racista fanática que, para justificar a caluniosa descrição segundo a qual Nietzsche foi um precursor do nazismo, falsificou seus manuscritos e fabricou uma edição espúria de A Vontade de Poder. Em uma das prateleiras da Fundação se exibe a célebre foto de Hitler visitando, acompanhado por Elizabeth, o Memorial de Nietzsche em Weimar.
Muitas das diatribes de Nietzsche contra a religião e, sobretudo, o cristianismo, a ideia de que proclamar a vida terrena é só uma passagem no sentido do além, onde se vive a vida verdadeira, e o maior obstáculo para que os seres humanos fossem soberanos, livres e felizes e se mantivessem condenados a uma escravidão moral que os privava de criatividade, espírito crítico, conhecimentos científicos e iniciativas artísticas, foram gestadas aqui, em Sils-Maria. Mas, curiosamente, ao contrário de uma das imagens mais persistentes de Nietzsche, a de um homem antissocial, sombrio e ensimesmado, resmungão e colérico, pelo menos nos sete verões que aqui passou deixou entre os vizinhos uma imagem radicalmente diferente: a de um homem risonho e simpático, que brincava com as crianças, divertia-se com as piadas dos moradores e evitava a boataria e as discussões da vizinhança.
É verdade que nunca foi um fascista nem um racista; um setor do museu documenta em detalhes sua boa relação com muitos intelectuais e comerciantes judeus e as vezes que escreveu criticando o antissemitismo. Mas também é verdade que nunca foi um democrata nem um liberal. Detestava as multidões e, em especial, as massas da sociedade industrial, nas quais via seres alienados por essa “psicologia de vassalos” engendrada pelo coletivismo, que anulava o espírito rebelde e matava a individualidade. Sempre foi um individualista recalcitrante; acreditava que só o ser humano não gregário, independente, segregado da tribo, que a enfrenta, era capaz de fazer progredir a ciência, a sociedade e a vida em geral. Sua terrível sentença, que era também um prognóstico sobre a cultura que prevaleceria no futuro imediato —“Deus está morto”— não era um grito de desespero, mas de otimismo e esperança, a convicção de que, no mundo futuro, libertados das correntes da religião e da mitologia alienante do além, os seres humanos trabalhariam para tirar o paraíso das névoas ultraterrenas e o trariam para cá, para a história vivida, a realidade cotidiana. Então desapareceriam os estúpidos rancores que tinham recheado a história humana de guerras, cataclismas, abusos, sofrimentos, selvagerias, e surgiria uma fraternidade universal na qual a vida, por fim, valeria a pena ser vivida por todos.
Era uma utopia não menos irreal do que a das religiões que Nietzsche abominava e que faria correr também muitíssimo sangue e dor. Ao fim e ao cabo, seria a democracia, que o filósofo de Sils-Maria tanto desprezou, pois a identificava com o conformismo e a mediocridade, a que mais contribuiria para aproximar os seres humanos desse ideal nietzschiano de uma sociedade de homens e mulheres livres, dotados de espírito crítico, capazes de conviver com todas as suas diferenças, convicções ou crenças, sem se odiar nem se matar.
Sils-Maria, julho de 2015

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