sábado, 14 de março de 2015

Biografias / Gustave Flaubert


Gustave Flaubert

BIOGRAFIA

Gustave Flaubert nasceu em Rouen, na França, em 12 de dezembro de 1821, e morreu no dia 8 de maio de 1880. Filho do cirurgião-chefe do hospital local, cresceu nas imediações do hospital, entre doentes, utensílios médicos e enfermeiros. Começou a escrever ainda cedo, na mesma época em que foi reprovado nos exames da Faculdade de Direito de Paris. Seu pai, evidentemente, opunha-se às aspirações artísticas do filho. Entre 1844 e 1851, uma série de acontecimentos dramáticos desestabilizaram o jovem escritor: a sua epilepsia manifestou-se, a querida irmã, Caro­line, casou-se, o cirurgião Flaubert morreu e faleceu também a recém-casada Caroline, de febre puerperal; o jovem cunhado de Gustave enlouqueceu, e a sra. Flaubert tomou para si, sem qualquer entusiasmo, a criação dos netos. Gustave vivia como aristocrata, sem trabalhar, aproveitando a vida junto aos amigos – entre os quais Théophile Gautier e Guy de Maupassant – e junto à amante, Elisa Schlesinger (uma mulher mais velha e mãe de família).
Ao voltar de uma viagem ao Oriente, em 1851, na exata metade do caminho da sua vida (Flaubert chegara então aos 29 anos dos 58 que viveria), decidiu tornar-se escritor em tempo integral. Até então, escrevera sem disciplina as obras de juventude Novembro Memórias de um louco. Abandonou Elisa Schlesinger e estreitou relações com Louise Colet, também uma mulher mais velha, casada e mãe, que permaneceria sua amante nos 25 anos seguintes, até a morte dela. Recluso na propriedade da família em Croisset (ele ficaria conhe­cido como “o urso do Croisset”), inicia, então, a redação de Madame Bovary. Sobre a obra em gestação, escreveu a Louise: “O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada, um livro sem ligações exteriores, que se mantivesse pela força interna do seu estilo, um livro em que o sujeito ficasse quase invisível, se é que isso é possível”. Aquele que Sartre chamou de “uma espécie de semideus, que vive como um bur­guês e escreve como um artesão” trabalhou por cinco anos na história de Emma Bovary, “mulher sublime”, segundo Charles Baudelaire, que, romântica e romanesca, vê-se presa de um casamento interio­rano e insosso.
O processo criativo do escritor era paciencioso, envolvendo inúmeras versões e a infatigável busca pelo mot juste (a palavra exata), que diria exatamente o que o conjunto da obra requeria, nem mais, nem menos, chegando-se a um conjunto orgânico. O romance foi publicado com o subtítulo Costumes do interior(Moeurs de province) em quatro folhetins no periódico La revue de Paris, no ano de 1856, e em dois volumes de livro pelo selo de Michel Lévy, em 1857. A temática do adultério e o tratamento realista e psicologicamente profundo das fraquezas humanas granjearam, imediatamente, tanto admiração quanto reprovação: Victor Hugo, Baudelaire, Barbey d’Aure­villy, entre outros escritores, compreenderam que o romance francês do século XIX tinha em Flaubert o seu mestre: se a poesia lírica era a voz individualíssima do artista, o romance revelava a sociedade coletiva objetiva e impesso­a­­l­­­mente, e o autor de Madame Bovary era o seu virtuose. Já as classes conservadoras escandalizaram-se com a obra: em 1857, Flaubert sofreria um processo no Tribunal de Paris por ofensa à moral pública e à moral religiosa, capitaneado por Marie-Antoine-Jules Sénard (a quem o escritor faz irônica referência na dedicatória). Dentre os trechos citados no processo, um dos mais ofensivos seria o longo passeio em um fiacre com cortinas fechadas dado por Emma e seu amante – do qual a heroína (ou anti-heroína?) sai com o vestido amarrotado. Flaubert foi declarado inocente, e Madame Bovary, “monumento de palavras”, segundo Mario Vargas Llosa, saiu do tribunal engrandecido.
Flaubert, que era um niilista, criticou a todos na sua obra-prima: interioranos e parisienses, homens e mulheres, apaixonados e céticos. Como indicou o crítico Émile Faguet: “Havia em Flaubert um romântico que achava a realidade rasa demais, um realista que achava o romantismo vazio, um artista que achava os burgueses grotescos, e um burguês que achava os artistas pretensiosos, tudo isso envolto por um misantropo que achava todos ridículos”. O próprio escritor dava-se conta das suas contradições, das quais resultou uma obra de observação social irônica, de imaginação decorativa e estilo equilibradíssimo: “Há em mim, literalmente falando, dois homens diferentes: um que é apaixonado pela retórica, pelo lirismo, pelos altos vôos de águia, por todas as sonoridades da frase e por idéias altas; um outro, que vasculha e escava o real tanto quanto pode, que adora mostrar o detalhe de modo tão poderoso quanto o grande fato, e que gostaria de fazer com que sentissem quase que materialmente as coisas que ele reproduz”.
Desde então, Emma Bovary é um dos personagens mais debatidos da literatura universal: ora é vista como uma sofredora irremediável que não consegue romper com os laços que a prendem, ora como uma anti-heroína da estirpe de Dom Quixote (como ele, afundou-se nos livros e perdeu o pé da realidade), ora como uma resistente heroí­na, que insiste em sonhar a despeito do mundo que a cerca. Emma é vista também como a matriz da linhagem de personagens como Ana Karenina, de Tostói, Luísa, do Primo Basílio,de Eça de Queiroz, ou Nora, de Casa de bonecas, de Henrik Ibsen.
Em 1863, Flaubert lançou o romance histórico Salambô, com grande sucesso de público e crítica. Em 1869, foi publi­ca­do outro romance seu, desta vez autobiográfico, A educação sentimentalA tentação de Santo Antônio foi publicado em 1874, e a reunião de novelas Três contos (contendo Uma alma simplesA lenda de São Julien Hospitaleiro Herodíade) veio a público em 1877, também com grande sucesso. Bouvard e Pécuchet, narrativa satírica em que o autor trabalhava quando morreu, foi editada postumamente sob os cuidados de uma sobrinha em 1881, e Dicionário de preconceitos, uma antologia de frases feitas, apenas em 1913.
Ficcionista de estilo contrito e burilado, Flaubert guar­dava para suas epístolas toda expansão e inspiração transbordante; para muitos, a Correspondência é a sua grande obra: reflexiva, apaixonada e freqüentemente comparada às cartas de Madame de Sévignè, Voltaire, George Sand ou Van Gogh. Segundo Proust, Flaubert foi responsável por uma literatura de ruptura porque deu sentido e substância ao romance de análise psicológica, do qual Madame Bovary é a mais alta expressão.



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